O escritor baiano Jorge Amado (1912-2001) era um entusiasta da produção das artes visuais brasileiras e, em especial, da baiana, demonstrado em textos que frequentemente pipocavam em seus romances, apresentações de exposições e artigos em diversos jornais. Jorge Amado era de grande generosidade com artistas em geral e, em especial, com os artistas plásticos, mas[...]
______. Dona Flor e seus dois maridos. 49. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. 464 p.
______. Navegação de cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei. Rio de Janeiro: Record, 1992.
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______. In: JESUS, José Barreto de (Org.). Carybé & Verger: gente da Bahia. Salvador: Fundação Pierre Verger: Solisluna Design Editora, 2008. 168 p. (Entreamigos).
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GOELDI, Oswaldo. Oswaldo Goeldi: site oficial. Disponível em: <http://www.oswaldogoeldi.org.br/>. Acesso em: 14 ago. 2012.
JESUS, José Barreto de (Org.). Carybé & Verger: gente da Bahia. Salvador: Fundação Pierre Verger: Solisluna Design Editora, 2008. 168 p. (Entreamigos).
MIDLEJ, Dilson. Juarez Paraiso: estruturação, abstração e expressão nos anos 1960. 2008. 200 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Escola de Belas Artes, Salvador.
______. Uma escritura de imagens: Jorge Amado e as artes visuais na Bahia. In: Anais do 22o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas. Belém: Anpap, 2013. p. 1928-1941. CD-ROM. ISBN: 9788560639021.
PARAISO, Juarez; FALCÃO, Washington (Orgs.). A obra de Juarez Paraiso. Salvador: Juarez Paraiso, 2006. 392 p.
ROSA, Santa. Santa Rosa. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br>. Acesso em: 14 ago. 2012.
O escritor baiano Jorge Amado (1912-2001) era um entusiasta da produção das artes visuais brasileiras e, em especial, da baiana, demonstrado em textos que frequentemente pipocavam em seus romances, apresentações de exposições e artigos em diversos jornais. Jorge Amado era de grande generosidade com artistas em geral e, em especial, com os artistas plásticos, mas apesar de ter escrito muito sobre estes, não se pode considerá-lo um crítico de arte, pois seus escritos não eram de natureza analítica, ou seja: ele não fazia crítica de arte. Seus comentários embasavam-se em opiniões pessoais e os enfoques eram, em geral, as vidas e fatos pitorescos decorrentes dos comportamentos dos artistas, e nunca análise estética ou estilística das obras ou da produção como um todo. Isto não significa que os textos relativos aos artistas visuais não mereçam atenção, mas não se pode querer encontrar neles conteúdos que nos auxiliem no entendimento das modificações artísticas e estilísticas do meio cultural (MIDLEJ, 2013, p. 1928-1929).
A importância de Jorge Amado em relação às artes visuais está na generosidade com a qual abraçava ou apadrinhava os artistas, compreendendo-os, prestigiando-os, defendendo-os, e promovendo-os em seus livros, em suas viagens, em textos em jornais, catálogos e inúmeras apresentações de exposições feitas. Muitos artistas tornaram-se, também, personagens de seus romances identificados na obra amadiana por seus próprios nomes artísticos e, em muitos casos, caracterizados por suas verdadeiras personas. São exemplos disso o pintor primitivo João Alves, em Dona Flor e seus dois maridos, e relatos sobre artistas tanto em Navegação de cabotagem: anotações para um livro de memórias que jamais escreverei, quanto em Bahia de Todos os Santos, em que enumera 47 artistas, não havendo, neste último caso, a pretensão de se fazer uma listagem completa, pois o mencionado João Alves não é ali relacionado (MIDLEJ, 2013, p. 1940).
Adicional a isso, muitos dos principais artistas brasileiros ilustraram seus livros ou edições especiais com tiragens limitadas, a exemplo do álbum Das visitações na Bahia, de 1974, composta por sete xilogravuras de Carybé.
A obra amadiana valoriza uma ambiência regionalista e descreve a Bahia como ponto de encontro de raças e costumes, desde os primórdios de sua fundação, e destaca a mestiçagem e o sincretismo cultural como determinantes de um tipo de cultura popular que exerce poderosa influência na produção intelectual do Estado, da qual “Dela nos alimentamos todos os que aqui criamos literatura e arte” (AMADO, 1996, p. 36).
Jorge Amado (1996, p. 74) ao comentar sobre o Pelourinho lembra que “Chagas, o Cabra, vinha embebedar-se” nas suas tavernas nos dias de ontem e, “Nos dias de hoje, o alemão Hansen [Bahia] veio ancorar num bar, o ‘For de São Miguel’, bar de marítimos e de marafonas. Hansen gravou na madeira, para sempre, a face densa e dramática dessa humanidade”. (AMADO, 1996, p. 74).
Hansen Bahia, em 1963, passou a ensinar gravura na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia e juntou-se nesta experiência docente com os também gravadores Mario Cravo Júnior e o carioca Henrique Oswald, filho do pintor e gravador Carlos Oswald, que passara a residir em Salvador em 1959, após quatro anos de estadia na Europa com prêmio conquistado no Salão Nacional de Belas Artes de 1954. Jorge Amado (1996, p. 328-329) assim se expressou sobre Henrique Oswald: “Deu-se à cidade, fez-se povo, cidadão, seu enamorado e seu pintor, um baiano loiro e tímido, de riso discreto e alma boníssima. [...] Nos óleos triunfa a Bahia, o mistério e a luz de igrejas e casarões”. O vínculo deste gravador com o escritor se dá, também, por meio da publicação do álbum “Henrique Oswald na Bahia”, com sete gravuras do artista e textos de Jorge Amado e da esposa de Henrique Oswald e também artista, Jacyra Oswald, e à menção que o escritor baiano faz dele em Navegação de cabotagem:
Ao fim da tarde [do mesmo dia em que os militares depuseram o governo de João Goulart, no ano de 1964] vou com Antonio Celestino a uma exposição de pintura na Galeria Renot, os óleos de Henrique Oswald recriam as igrejas da Bahia num fundo de mistério. Celestino compra um quadro, compro outro. Gastar dinheiro numa hora dessas, incerta, não será loucura? Não vou concorrer para que os milicos restrinjam minha vida, não modificarei meus hábitos. Penduro a igreja de Henrique Oswald no quarto de dormir. (AMADO, 1992, p. 23).
É possível que a motivação da escolha de Jorge Amado ao adquirir esta obra tenha sido pelo reconhecimento do sentimento de pertença do artista plástico carioca ao novo contexto cultural da cidade que escolhera para viver e que refletia nela um patrimônio arquitetônico e histórico, do que propriamente uma motivação vinculada à religiosidade do seu tema, pois, sendo comunista, não professava a religião católica.
Descrevendo a capital baiana, Jorge Amado elenca outro artista: “Quem anda pelas ruas da cidade da Bahia, entra nos cinemas, olha fachadas de prédios, pode logo dar-se conta da importância da obra de Juarez Paraíso, através dos murais impressionantes”. (AMADO, 1996, p. 299). Juarez Paraíso iria, ainda, protagonizar dois outros comentários do escritor baiano. O primeiro é a participação, em 1977, do artista encarnando, como ator, a personagem Pedro Archanjo no filme Tenda dos milagres (PARAISO; FALCÃO, 2006, p. 8). Essa participação é relatada e comentada pelo escritor em seu livro de memórias Navegação de cabotagem, contrastando o “Magro Pedro Archanjo no filme de Nelson Pereira dos Santos” com “o do meu romance [que] é gordo” (AMADO, 1992, p. 458). Porém, o segundo — e mais significativo comentário —, é o relato da contratação do artista pelo Governo do Estado para a realização de um mural para a Secretaria de Agricultura no Centro Administrativo da Bahia – CAB, ocorrida antes da participação no filme Tenda dos milagres. Com a alegação dele ser “um dos principais artistas brasileiros, nada fica a dever aos demais, é um mestre” (AMADO, 1992, p. 457) Jorge Amado inseriu o nome dele na relação de artistas sugeridos ao Governador Antonio Carlos Magalhães para trabalhar nos murais e painéis do novo centro administrativo da cidade. Só que como Juarez cultivava desafetos e “acabara de sair de uma cadeia de meses. Na impossibilidade de ocultar-lhe a posição de militante de esquerda, ao propor-lhe o nome castiguei nos elogios ao artista: para mim dos primeiros da Bahia, eu o situo entre os principais” (AMADO, 1992, p. 457). Antonio Carlos Magalhães não discordou do escritor e alegou conhecer e apreciar a obra do artista (AMADO, 1992, p. 458). Jorge Amado, todavia, descreve que o funcionário incubido de receber os projetos “ao ver a assinatura perseguida” enfurnou o projeto de Juarez Paraiso na gaveta. Resultado: os demais artistas iam sendo convocados para assinar os contratos, exceto Juarez. Pressionado a dar alguma satisfação às constantes cobranças do artista, o responsável pelo recebimento dos projetos alegou o Governador não ter gostado da proposta do artista e recusou-a (AMADO, 1992, p. 459). Descontente, Juarez Paraiso deu a noticia a Jorge Amado e agradeceu a indicação do seu nome para o projeto. Estranhando o ocorrido, Jorge Amado indagou o motivo da recusa telefonando diretamente para o Governador. Resultou que Antonio Carlos Magalhães nada sabia do ocorrido, desconhecia, não vira e nem proibira o projeto e entendendo ter havido abuso de autoridade, mandou que Juarez fosse às 14h daquele mesmo dia no CAB, para assinar o contrato e assim se resolveu a celeuma. Ilustra-se, assim, a participação de Jorge Amado em muitas das decisões e projetos envolvendo artistas plásticos e, naturalmente pela sua popularidade e mérito como romancista e promotor da cultura baiana, foi homenageado em cenografias e ambientações criadas por Juarez Paraiso numa decoração carnavalesca em 1985 (MIDLEJ, 2013, p. 1933).
A obra literária de Jorge Amado incentivou muitos dos seus leitores a visitar a Bahia, dentre estes, estavam Carybé e Pierre Verger. Carybé veio a primeira vez à Bahia em 1938, já havia lido Jubiabá “e não acreditava que a cidade fosse assim. Acontece que, para minha surpresa, era como Jorge Amado descrevia” (JESUS, 2008, p. 27). Segundo a viúva do artista, Nancy Bernabó, foi neste mesmo ano que ele conheceu o escritor (JESUS, 2008, p. 27). De igual maneira Pierre Verger menciona “A primeira vez que soube da Bahia era por ter lido a tradução francesa do romance Jubiabá, de Jorge Amado. Tive assim a noção de que existia um lugar onde a vida me parecia simpática” (JESUS, 2008, p. 22). Jorge Amado assim definiu Verger:
Pierre Verger, mestre francês de artes e de ciências, andou meio mundo, cruzou caminhos do Oriente e do Ocidente, mares e desertos, montanhas e arranha-céus; era um ser errante, um inquieto. Já duvidava da alegria quando de súbito a encontrou ao chegar às ladeiras da cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos [...] Chegara à pátria de seu coração. (AMADO, 2008, p. 45).
“Alegria” e “simpatia” foram os chamarizes, os atrativos que, a partir da obra de Jorge Amado, atraíram o artista e o etnólogo à Bahia.
Em 1933 Jorge Amado viajou para São Paulo pela primeira vez, acompanhado do artista gráfico e pintor paraibano Santa Rosa. Hospedam-se na casa de Tarsila do Amaral e do psiquiatra Osório Cesar, na ocasião marido e mulher recém-chegados de Moscou e, por conta dessa viagem, realizavam uma exposição de cartazes soviéticos no Clube dos Artistas Modernos
na época o centro de cultura mais sério do Brasil, o que colocava a proposta mais avançada. Ali pronunciei conferência sobre as crianças nas plantações de cacau, autografei o livro ilustrado por Santa Rosa, assisti ao Bailado do Deus Morto, de Flávio, que espetáulo!, logo proibido pela polícia política. A censura não dava tréguas ao CAM, trazia-o no cortado, vigiava-lhe as promoções, a montagem da peça de Oswald de Andrade, O Homem e o Cavalo, viera de ser vetada, as autoridades de olho, prontas para intervir e proibir: Flávio personificava a subversão em marcha, ameaçava a ordem e a moral. Fiquei amigo de Flávio nessa ocasião e o fui enquanto ele viveu. (AMADO, 1992, p. 332-333).
Jorge Amado colaborou com Flavio de Carvalho na preparação do Segundo Salão de Maio, em 1938, colaboração esta que consistiu na ida ao Rio de Janeiro na companhia de Geraldo Ferraz e com a ajuda de Santa Rosa, “em busca de quadros” (AMADO, 1992, p. 333). Ele inventou os títulos dos quadros que Flavio pintara para o Salão. Nesta ocasião Flavio de Carvalho teria presenteado Jorge Amado com um destes quadros, de título A avó, “mas de imediato o tomou de empréstimo, nunca mais o devolveu” (AMADO, 1992, p. 333). O vínculo com Flávio de Carvalho estende-se, também, aos galanteios não correspondidos que este endereçou à jovem Zélia Gattai, em São Paulo, antes desta conhecer e esposar Jorge Amado (AMADO, 1992, p. 335) e também com a realização de um retrato do escritor baiano em 1945. Quirino da Silva também executou um retrato de Jorge Amado. Ele morava no mesmo andar do edifício em que funcionava o atelier de Flavio de Carvalho “em edifício situado na esquina de Barão de Itapetininga com a Praça da República”. (AMADO, 1992, p. 333).
Na condição de escritor, viaja em 1944 para São Paulo para o lançamento de São Jorge dos Ilhéus e, nesta ocasião recebe a promessa de uma pintura em gouache de Lasar Segall que será entregue somente em começos de 1945, ano em que Jorge Amado vai viver em São Paulo (AMADO, 1992, p. 188-189).
É possível que tenha sido nesta ocasião o contato do escritor baiano com o Grupo Santa Helena e, em especial, com Manoel Martins, gerando o convite para este ir a Salvador ilustrar Bahia de todos os santos, ocasião na qual se realizou uma exposição com obras modernistas na capital baiana.
A primeira geração modernista de artes plásticas da Bahia constituiu-se, inicialmente, por Mario Cravo Jr. (1923-2018), Carlos Bastos (1925-2004) e Genaro de Carvalho (1926-1971). Estes três artistas participaram desde o primeiro número da revista Caderno da Bahia, surgida em 1947 e “[...] de fundamental importância na evolução literária e sobretudo na revolução das artes plásticas baianas”, segundo Jorge Amado (1996, p. 55). E ressalta:
Tôda nossa literatura tôda nossa arte baiana provém daquilo que o povo constrói e cria. Tomemos o exemplo da escultura: nossos mestres escultores, a começar por Mário Cravo, Agnaldo da Silva e Mirabeau Sampaio, são filhos dos santeiros do passado, dos criadores da imaginária baiana como Frei Agostinho da Piedade, e dos fazedores de ídolos para candomblés, dos criadores de orixás, dos anônimos criadores de ex-votos. (AMADO, 10 abr. 1965, p. 10).
E continua com a afirmação que explicita sua concepção da função da arte, função esta ideologicamente orientada a um “sentido do social e do popular” (AMADO, 10 abr. 1965, p. 10):
Não só a temática social os marca, como o sentido do social e do popular. Fazendo da obra de nossos melhores escultores uma alta criação artística situada, porém, na mesma linha de trabalho de centenas de pequenos artesãos, mantendo com esse trabalho inflexível unidade. (AMADO, 10 abr. 1965, p. 10).
E complementa seu pensamento ideologicamente orientado, mesmo nas ocasiões em que é mais poético, como ao descrever o ofício do escultor, referindo-se ao amigo Mario Cravo Jr., em que, uma vez mais, o foco é o artista, o indivíduo, e não a obra:
Ferreiro saído dos infernos, coberto de fogo e aço, comido de goiva e ácido, os bigodes arrogantes, devassos, quase agressivos, os olhos de insônia, a boca em gargalhada, eis o guerreiro Mário Cravo em luta com o ferro bruto, a madeira pesada e ilustre, a pedra morta, para sempre morta mas, de repente, viva em sua mão, em seu talho, em sua forja, em seu destino deslumbrado e louco, em seu criar sem descanso.
A madeira, a pedra, o ferro, na forja dos infernos, nas mãos do derradeiro Exu da Bahia são a flor, a água, a poesia, a vida mais vivida e mais profunda. Uma força da natureza por um capricho dos deuses desencadeou-se na Bahia: Mário Cravo, o escultor. (AMADO, 1996, p. 263).
Essa “força da natureza por um capricho dos deuses” da citação acima ilustra outra característica amadiana em relação às artes plásticas: o determinismo. Assim, o escritor baiano vai buscar a “explicação” para o talento de Mario Cravo Jr. na força da natureza, creditando-a a “um capricho dos deuses”.
Sobre o pintor Carlos Bastos, Jorge Amado vai referir-se, em diversas ocasiões, como “Dom Carlos Bastos, príncipe fugido da Renascença para as ruas da Bahia” (AMADO, 1996, p. 254) aludindo à fidalguia, erudição e finura de cultura e comportamento deste protagonista da renovação modernista no Estado. Carlos Bastos é o autor do monumental painel produzido para a Assembleia Legislativa do Estado da Bahia. Convidado pelo Governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, para indicar artistas baianos para a confecção de painéis para os edifícios do Centro Administrativo, Jorge Amado comenta:
Para começo de conversa proponho a Antônio Carlos que a realização do grande painel destinado ao plenário da Assembleia Legislativa do Estado seja confiada a Carlos Bastos, o convite valerá como reparação ao pintor, vítima de discriminação e preconceito por parte do clero do Rio de Janeiro. Haviam-lhe encomendado dois murais para a Igreja do Parque da Cidade, Carlos pôs-se ao trabalho e, como já fizera em outras obras, deu o rosto dos amigos aos personagens, vestiu com trajes bíblicos pessoas de sua admiração e sua estima: nas paredes da Igreja estamos Di Cavalcanti, Djanira, Pelé, Vinicius de Morais, eu próprio. Caetano Veloso é Jesus, Betânia encarna a Virgem Maria, Gal Costa é Maria Madalena. Os padrecos não gostaram, um deles escreveu artigo no Jornal do Brasil, denúncia dirigida à censura militar: inadmissível blasfêmia tais pinturas, como tolerar nas paredes de templo católico, transmutados em anjos do Senhor, um negro jogador de futebol e um escriba subversivo e pornográfico, referia-se a Pelé e a mim, o alcagüete de batina estampava nossos nomes na pasquinada. (AMADO, 1992, p. 454).
Antonio Celestino, em texto publicado em A Tarde, em 27 de fevereiro de 1993 e republicado em Carlos Bastos (2000, p. 95), corrige o amigo escritor e diz que o tema era “Vida e morte de São João Batista”. Assim, Caetano Veloso era, na realidade, São João, Djanira era Santa Isabel e Pelé, um anjo.
O Governador acatou a sugestão do nome de Carlos Bastos para pintar o painel que tinha por tema a procissão marítima do Senhor Bom Jesus dos Navegantes, que ocorre a cada primeiro de janeiro, e Carlos Bastos voltou a residir na Bahia, erguendo casa na Pedra do Sal. “A ideia de Antônio Carlos era embarcar na galeota e nos barcos as personalidades intelectuais mais em evidência na vida baiana, entre as quais ele próprio pois Toninho é meu colega na Academia de Letras da Bahia [...]” (AMADO, 1992, p. 455) e a Jorge Amado coube organizar a relação dos privilegiados com direito a figurar na procissão. O pintor trabalhou neste empreendimento por dois anos e ao final continha o retrato de 142 personalidades da vida cultural, administrativa e artística baianas. A encomenda previa retratar 42 personalidades (BASTOS, 2000, p. 79), mas “Aconteceu, é compreensível, uma correria de políticos e de notáveis: secretários de governo, desembargadores, cônegos, coronéis, nobreza e clero, classes armadas: todos queriam lugar nas embarcações, Carlos só faltou endoidar, os penetras chegavam de retrato em punho, diziam-se enviados pelo Governador.” (AMADO, 1992, p. 455). O painel foi consumido por um incêndio em 1978 e, posteriormente, refeito pelo mesmo artista.
Carlos Bastos colaborou com o escritor em várias ocasiões, com destaque para a criação de 120 ilustrações para Baia de todos os santos, em 1976, então em sua 27ª edição, pela Editora Record. (BASTOS, 2000, p. 79).
Completando a tríade modernista na Bahia, assim escreveu ele sobre Genaro de Carvalho:
Genaro atingiu o começo da maturidade [...] Momento vital quando artista e artesão se fundem, quando a liberdade, a imaginação e o ofício se amalgamam para que do mundo conquistado na experiência vivida surja a beleza maior, pão tão necessário ao homem quanto o pão de trigo amassado nas padarias. (AMADO, 1996, p. 240).
Aqui Jorge Amado já aponta um outro critério de avaliação da arte, que não a ideologicamente orientada, pois se trata de obra de tendência formalista, estilizada a ponto de se aproximar da abstração, e não de conotação social. Ainda assim sobressai-se a generosidade no comentário. Observemos que o escritor não deixa de mencionar o trabalho do “artesão”, o que se encaixaria na sua concepção de arte socialmente orientada. Ele vai, ainda, reforçar seu determinismo e uma vez mais declarar seu amor e apreço à sua terra, ao complementar que “A tapeçaria e a pintura de Genaro, com sua sensualidade tropical e seu romântico contexto de alegoria, tão densamente sensual, tão densamente romântico, só poderia ser da Bahia, de nenhuma outra terra”. (AMADO, 1996, p. 241).
Em outras ocasiões o escritor dá mostras de suas capacidades literárias e transforma o que poderia ser um comentário opinativo (ou crítico) sobre uma série de gravuras de Emanuel Araújo (1940) em um ensaio literário, com direitos a metáforas do universo masculino pela conquista da fêmea. Ele enfoca uma briga de gatos machos e cujo vencedor cruzaria com uma fêmea ao comentar uma série de xilogravuras produzida na década de 1950 e que tem “gatos” por temática. “Eis os gatos de Emanuel Araújo em seu mistério de madeira ou de metal, em sua ânsia, em seu desejo, em sua presença quase humana — criação de beleza e de mistério, a beleza e o mistério da Bahia”. (AMADO, 1996, p. 302).
Seu forte, todavia, foi a constante defesa de artistas populares, tais como Agnaldo dos Santos (1926-1962), o qual “Possuía uma fagulha de gênio que transmitiu à sua obra uma força, um impacto definitivos. [...] Seu Oxóssi é cangaceiro e vaqueiro, orixá nordestino” (AMADO, 1996, p. 223). “Era a mais doce das criaturas: negro alto, bonito, forte. Nos últimos meses, tomado pela doença, custava-lhe imenso esforço talhar a nobre madeira, o jacarandá, o pau-brasil. Morreu trabalhando, criando um mundo imortal.” E com seu costumeiro determinismo, sentencia: “Não se pareceu com ninguém, vai ser difícil surgir outro igual”. (AMADO, 1996, p. 223-224).
Em Bahia de todos os santos, Jorge Amado comenta, também, a obra de outros escultores: Mestre Didi, Manuel Bonfim, Zu Campos, Louco (de Cachoeira, Bahia), com suas ceias e Cristos “que de louco nada tem, mas em troca tem um talento e uma vocação sem limites. Entre os escultores primitivos da Bahia, o primeiro: realmente impressionante”. (AMADO, 1996, p. 316). Comenta, também, dos pintores Raimundo de Oliveira, Adelson do Prado, Emma Valle, Willys, Cardoso e Silva e Licidio Lopes, dentre outros. No romance Dona Flor e seus dois maridos, Jorge Amado (2000, p. 124-125) assim se referiu ao pintor João Alves:
O negro João Alves jamais tivera filhos nem com sua mulher nem com outras mas arranjava madrinhas para seus netos, comida, roupas velhas e até cartas de abc. Vivia num porão ali perto, com seus resmungos, suas mandingas, sua aparente brabeza, suas má-criações, alguns dos netos, e o porão abria sobre um vale plantado de verde, de seu buraco o negro João Alves comandava as cores e a luz da Bahia.
Constata-se, assim, o porquê da popularidade de Jorge Amado no meio das artes plásticas, popularidade esta regada à generosidade e aos constantes apoios às artes, imagem poderosa que se une às inesquecíveis personagens que habitam o universo amadiano, universo este que extrapola a literatura e vive com o povo. (MIDLEJ, 2013, p. 1940).
______. Dona Flor e seus dois maridos. 49. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. 464 p.
______. Navegação de cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei. Rio de Janeiro: Record, 1992.
______. Bahia de todos os santos: guia de ruas e mistérios. 40. ed. Rio de Janeiro: Record, 1996. 410 p.
______. In: JESUS, José Barreto de (Org.). Carybé & Verger: gente da Bahia. Salvador: Fundação Pierre Verger: Solisluna Design Editora, 2008. 168 p. (Entreamigos).
BASTOS, Carlos. Carlos Bastos. Rio de Janeiro: C. Bastos, 2000. 230 p.
CRAVO JR., Mario. Cravo. Esculturas de Mario Cravo Júnior e fotografias de Mario Cravo Neto. [S.l.]: Raízes Artes Gráficas, 1983. Não paginado.
GOELDI, Oswaldo. Oswaldo Goeldi: site oficial. Disponível em: <http://www.oswaldogoeldi.org.br/>. Acesso em: 14 ago. 2012.
JESUS, José Barreto de (Org.). Carybé & Verger: gente da Bahia. Salvador: Fundação Pierre Verger: Solisluna Design Editora, 2008. 168 p. (Entreamigos).
MIDLEJ, Dilson. Juarez Paraiso: estruturação, abstração e expressão nos anos 1960. 2008. 200 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Escola de Belas Artes, Salvador.
______. Uma escritura de imagens: Jorge Amado e as artes visuais na Bahia. In: Anais do 22o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas. Belém: Anpap, 2013. p. 1928-1941. CD-ROM. ISBN: 9788560639021.
PARAISO, Juarez; FALCÃO, Washington (Orgs.). A obra de Juarez Paraiso. Salvador: Juarez Paraiso, 2006. 392 p.
ROSA, Santa. Santa Rosa. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br>. Acesso em: 14 ago. 2012.
Autores(as) do verbete:
D536
Dicionário Manuel Querino de arte na Bahia / Org. Luiz Alberto Ribeiro Freire, Maria Hermínia Oliveira Hernandez. – Salvador: EBA-UFBA, CAHL-UFRB, 2014.
Acesso através de http: www.dicionario.belasartes.ufba.br
ISBN 978-85-8292-018-3
1. Artes – dicionário. 2. Manuel Querino. I. Freire, Luiz Alberto Ribeiro. II. Hernandez, Maria Hermínia Olivera. III. Universidade Federal da Bahia. III. Título
CDU 7.046.3(038)