A SEGUNDA GERAÇÃO ABSTRATA BAIANA A luta contra a tradição acadêmica-naturalística da arte, que predominava no gosto da sociedade baiana na década de 1950, encontrou suas primeiras zonas de conflito no batalhão de modernistas que atuou na primeira geração e introduziu mudanças significativas nas artes plásticas, abraçando um regionalismo que apontava como temas o modo[...]
ARTISTAS abstratos da Bahia. Salvador: Instituto Cultural Brasil-Alemanha, 1964. Não paginado. Catálogo de exposição aberta em 2 mar. 1964a.
ARTISTAS abstratos no ICBA. A Tarde, Salvador, p. 16, 7 mar. 1964b.
COELHO, Ceres Pisani Santos. Artes plásticas: movimento moderno na Bahia. 1973. 223 f. Tese (Concurso para professor Assistente do Departamento I) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1973.
COUTINHO, Riolan Metzker. Boletim Escolar do curso Pintura da Escola de Belas Artes. Salvador, 1950-1957. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, 4 p. Caixa 203. Manuscrito sobre formulário impresso em clichê.
ICBA realizará exposição de artistas abstratos da Bahia. Jornal da Bahia, Salvador, [p. 6], 27 fev. 1964.
MELLO, Gley. Glei Melo. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, [2006]. Não paginado. Catálogo com reproduções de obras do artista. Apresentação de Juarez Paraiso.
MIDLEJ, Dilson Rodrigues. Juarez Paraíso: estruturação, abstração e expressão nos anos 1960. 2008. 200 f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador.
MUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIA. Museu de arte moderna da Bahia. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2002.
PARAISO, Juarez Marialva Tito Martins. Artes plásticas. Diário de Notícias, Salvador, Caderno 2, p. 5, 22 jul. 1966.
PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. 5 vol. 559 p.
______. Jenner: a arte moderna na Bahia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. 184 p.
REVISTA DA BAHIA. Salvador, Imprensa Oficial da Bahia, ano 4, n. 4, set. 1965. Não paginado.
PAULO DARZÉ GALERIA DE ARTE. Catálogo de Leilão. Salvador, 31 ago. 2004, não paginado, il., color. 28 x 21,5cm. Exposição de 26 a 30 ago. 2004.
PORTUGAL, Claudius et al. Calasans Neto: gravuras. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; Copene, 1998. 124 p.
SCALDAFERRI, Sante. Sante Scaldaferri. Salvador: Governo da Bahia; Desenbanco, [1988]. Não paginado. Catálogo comemorativo de 30 anos de carreira
SOBRAL, Newton. Artes: arte de Sônia Castro será exposição na Goya. Jornal da Bahia, Salvador, Caderno 1, p. 7, 23 out. 1964a.
______. Artes: pintores abstratos reagem. Jornal da Bahia, Salvador, Caderno 1, p. 7, 13 nov. 1964b.
SÔNIA traz o sol em nova fase de pintura. Jornal da Bahia, Salvador, Caderno 1, p. 5, 24 out. 1964.
TRIPODI, Aldo. Sante Scaldaferri: uma poética do feio. 1999. 137 f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1999.
A SEGUNDA GERAÇÃO ABSTRATA BAIANA
A luta contra a tradição acadêmica-naturalística da arte, que predominava no gosto da sociedade baiana na década de 1950, encontrou suas primeiras zonas de conflito no batalhão de modernistas que atuou na primeira geração e introduziu mudanças significativas nas artes plásticas, abraçando um regionalismo que apontava como temas o modo de vida e o universo cultural da faixa economicamente pobre e socialmente relegada da população (operários, lavadeiras, feirantes, prostitutas etc.). Essas modificações sacudiram a mentalidade pouca afeita a renovações da sociedade e uma segunda frente de batalha se deu a partir do início da década de 1960, com a adoção da linguagem abstrata por um grupo de representantes da segunda geração modernista do Estado. (MIDLEJ, 2008, f. 98-99).
A abstração desenvolvida por alguns artistas desse segundo grupo modernista serviu como estratégia de posicionamento de renovação da linguagem plástica, entendida por muitos deles como internacionalização da arte moderna. Esta expressão designava a adoção dos ideais e dos programas das correntes estilísticas europeias das vanguardas históricas e suas consequentes adaptações à expressão pessoal de cada um deles. Era a informação cosmopolita privilegiada que chegava a Salvador. Pretendia-se, com a adoção daqueles paradigmas europeus, alavancar a arte no Estado, com o intuito de diminuir a distância cultural em que a Bahia se encontrava frente a outros estados brasileiros, notadamente os da Região Sudeste, e ainda mais dos centros situados fora do país. (MIDLEJ, 2008, f. 99).
A novidade estilística da internacionalização da arte moderna manifestava-se por meio da abstração e constituía a expressão que resumia a postura com a qual a nova geração podia confrontar o primeiro time de artistas modernos, assim como também fornecer uma criativa resposta à regionalização frequente das obras modernistas. Um exemplo disso é fornecido por Juarez Paraiso (1934). Adicional ao ensino e à atividade como artista plástico, Juarez Paraiso assinava textos sobre arte publicados em alguns jornais de Salvador. Em um destes, no Diário de Notícias de 22 de julho de 1966, ele noticiava a exposição de guaches de Betty King no Museu de Arte de São Paulo – Masp:
Betty King representa, e com extraordinária grandeza, toda uma geração de artistas que se tornou independente das tradições regionais, do colorido local e folclórico, do pitoresco enfim, que tem caracterizado grande parte de nossos artistas conhecidos fora da Bahia. (PARAISO, 1966, p. 5).
À época, discutiam-se no país opiniões polêmicas, anunciando que a abstração chegara ao fim, como a declaração do pintor Di Cavalcanti noticiada pela imprensa brasileira do Sul do país e replicada em Salvador pelo Jornal da Bahia (SOBRAL, 1964b, p. 7). Dentre os três artistas sobre os quais o colunista Newton Sobral reproduz comentários está Iberê Camargo, para quem a “[...] criação de um artista é sempre singular e, portanto, jamais poderá deixar de existir”. Desaparecem aqueles que pintam à maneira de, “[...] os que procuram caminhar no rastro que não é caminho” (SOBRAL, 1964b, p. 7). Newton Sobral (1964b, p. 7) conclamava os artistas baianos abstratos a “[...] opinar sôbre [sic] o problema que é um dos mais importantes para a pintura atual”. E assim se pautava, na mídia de massa, a discussão sobre o futuro da abstração.
A reação à arte acadêmica-naturalística encontrou ainda um expressivo meio instrumental nas técnicas da gravura e nas atuações e presenças de Mario Cravo Júnior, Hansen Bahia e Henrique Oswald, que propiciaram uma significativa mudança na mentalidade da área artística de Salvador. Segundo Roberto Pontual (1969, p. 398), Henrique Oswald, filho do pintor e gravador Carlos Oswald e que fixou residência em 1959 em Salvador, chegou a produzir obras abstratas e transcreve comentário de José Roberto Teixeira Leite, ao se referir a ele ao lado de Hansen Bahia e Mario Cravo Júnior como um dos criadores da moderna gravura baiana, mas mencionando a produção de Henrique Oswald em pintura:
A pintura de Henrique Oswald, dos grandes painéis religiosos e decorativos aos quadros de cavalete, e passando ao largo pelo período de iniciação, atravessou três fases: a realista, sob a influência paterna, a de predominância não-representativa, como recursos de textura, collage e grafismo, e a final, a que talvez se pudesse chamar de abstrata, visto que nela o que se observa é a abstração plástica das formas naturais.
Os três gravadores citados contribuíram expressivamente para a produção em gravura de Juarez Paraiso, Calasans Neto, Leonardo Alencar, José Maria, Emanoel Araújo e Edson da Luz, dentre outros. Alguns destes artistas produziram também obras abstratas, tais como Juarez Paraiso, Calasans Neto, Leonardo Alencar, Luiz Gonzaga, Riolan Coutinho, Sante Scaldaferri, o alemão Adam Firnekaes e, a partir de 1971, Emanoel Araújo.
No que toca à vinda à Bahia de artistas de outros países que tiveram relevância na produção abstrata, cita-se Betty King, Adam Firnekaes e Frans Krajcberg (1921). O vínculo deste último com o Estado se deu pela sua participação na Primeira Bienal Nacional de Artes Plásticas, em 1966, em Salvador, e a manutenção, a partir de 1973, de seu ateliê em Nova Viçosa, no sul da Bahia.
Natural de New Orleans, Louisiana, Estados Unidos da América, e descendente de família francesa (REVISTA DA BAHIA, 1965, não paginado), Betty King (1932) casou-se com o brasileiro Luiz Almeida e veio ao país em 1958, fixando-se inicialmente no Rio de Janeiro, depois em Recife, até a vinda para Salvador. Entre o final dos anos cinquenta e início dos sessenta, produziu desenhos e pinturas abstratas.
O pintor, gravador e músico Adam Firnekaes (1909-1966), nasceu em Würzburg, Alemanha, chegou ao Brasil, no Rio de Janeiro, em 1950, e permaneceu por oito anos como convidado da Orquestra Sinfônica daquele Estado até transferir sua residência para Salvador, em 1958. Como pintor, Adam Firnekaes explorava a linguagem abstrata concomitantemente à figurativa, especializando-se em colagem.
Já no que tange à vinda de artistas de outros estados para Salvador, podem ser citados Jenner Augusto (1924-2003) e Leonardo Alencar (1940), ambos sergipanos. O primeiro nasceu em Aracaju e mudou-se para Salvador em junho de 1949. Autodidata, Jenner Augusto foi pioneiro da arte moderna em Sergipe com a realização dos murais decorativos do bar Cacique. Trabalhou no ateliê de Mario Cravo Júnior e integrou o movimento de renovação das artes plásticas na Bahia na década de 1950, ao lado do citado escultor e de Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Rubem Valentim e Lygia Sampaio (PONTUAL, 1974, p. 171-172). Conforme Roberto Pontual (1974, p. 172), a produção abstrata de Jenner Augusto data de 1958, a partir da segunda exposição individual no Belvedere da Sé (a primeira foi em 1956); dois anos depois e “Já inteiramente situado na pesquisa da abstração lírica” (PONTUAL, 1974, p. 172) realizou uma mostra de pinturas de grandes dimensões no Museu de Arte Moderna da Bahia, em 1960. Todas as 23 telas daquela exposição foram vendidas, a maior parte para colecionadores estrangeiros. Retomou a figuração em 1963, com a série de pinturas dos Alagados, passando esse bairro de Salvador a ser um de seus temas mais frequentes.
As pinturas abstratas de Jenner Augusto caracterizam-se pela distribuição de manchas cromáticas, ao estilo tachista, nas quais operam, por meio da cor e da textura da pasta pictórica, as zonas de contrastes e luminosidades que cadenciam ritmos e tensões, criando efeitos visuais ora dramáticos, ora líricos. Ainda que a preferência do artista se desse pela exploração intensa dos contrastes entre matizes de cores, chegou a produzir algumas peças monocromáticas. Muitas peças de Jenner Augusto que compõem sua fase inicial de abstração apresentam uma relação muito forte entre os elementos de marinha, tema preponderante na produção do artista. Assim, percebe-se que muitas manchas das pinturas daquele período tiveram como ponto de partida os reflexos do céu e das rochas na água e a espuma do mar. Os ritmos e as massas de cores dispostas horizontalmente em algumas pinturas reforçam essa sensação.
Leonardo Alencar é natural de Estância, Sergipe, foi aluno bolsista da Escola de Belas Artes da UFBA, mas não concluiu o curso. Estudou com Mário Cravo Júnior e com Jenner Augusto e participou ativamente da vida artística na Bahia dos anos sessenta. Realizou sua primeira individual no Belvedere da Sé, em Salvador, em 1960 e, nesse mesmo ano, em Aracajú, Sergipe (COELHO, 1973, f. 140). Realizou obras abstratas por um período curto de tempo.
Nos anos da primeira metade da década de sessenta, alguns artistas também experimentaram breves períodos de criação de obras abstratas, tais como os baianos Sonia Castro e Jamison Pedra e o carioca Gley Mello. Pode-se lembrar, igualmente, do gravador baiano Helio Oliveira (1929-1962). Todavia, suas obras são somente aparentemente abstratas e têm como motivação e resoluções formais elementos da temática mística do Candomblé, como acontece com alguns trabalhos que são, na verdade, pejis (altares das divindades, onde são depositadas as oferendas aos orixás).
Nascida em Salvador, Sonia Castro (1934) realizou seus estudos na Bahia, iniciando-se na pintura em 1954, ao ingressar na Escola de Belas Artes. Estudou pintura também em São Paulo, em 1958, sob a orientação de Maria Célia Amado. Posteriormente, receberia orientação em gravura de Henrique Oswald. Sua primeira individual foi em 1960, na Biblioteca Municipal de Salvador (SÔNIA…, 1964, p. 5). Cenógrafa, figurinista e professora, Sonia Castro destacou-se como gravadora, tendo como tema preponderante em suas xilogravuras e pinturas a figura humana e, mais notadamente, a criança desvalida, miserável e sofredora, enfocada numa atmosfera dramática. Esse período de produção artística de Sônia Castro foi antecedido pela incursão na abstração, segundo noticia uma reportagem do Jornal da Bahia (SÔNIA…, 1964, p. 5) acerca da inauguração de uma exposição da artista, no dia 23 de outubro de 1964, na Galeria Goya (localizada à Avenida Sete de Setembro, 124, loja 13), instaurando “[...] uma nova tese de volta ao figurativo em que predominam as imagens do sol, crianças e janelas”. O jornal transcrevia ainda uma declaração da artista: “― Estava certa de que não não [sic] ia deixar de fazer abstrato. Um dia fiz figurativo e não sal [sic] mais ― explica a artista. ― Foi uma coisa expontanea [sic], sem previsão” (SÔNIA…, 1964, p. 5).
Jamison Pedra (1938) nasceu em Valença, Bahia e veio para Salvador em 1945. É formado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, onde lecionou até 1995. Expôs individualmente, pela primeira vez, em 1963, na Galeria Bazarte, em Salvador. Desde então, realizou diversas mostras no Brasil e no exterior. Em uma de suas pinturas abstratas apresenta variações de formas quadrangulares e tratamento colorístico monocromático com predomínio de cores quentes. O artista explora as relações entre as formas e o fundo, criando ambiguidades de sensação de profundidade, tendo em vista a justaposição entre figura e fundo. A tendência é o observador considerar como forma os retângulos trabalhados com detalhamento de texturas e inserções de retângulos de tamanhos menores e, como fundo, as superfícies menos detalhadas ou mais uniformes.
Gley Mello (1944) nasceu no Rio de Janeiro e veio residir em Salvador em 1963, ocasião em que passou a estudar gravura com Henrique Oswald, na Escola de Belas Artes da UFBA. Anos depois, graduou-se em licenciatura em desenho. Nos anos sessenta dedicou-se à produção de gravuras e pinturas abstratas de grande dinamicidade. Suas gravuras distinguem-se pelo uso contrastante entre as massas negras e o branco do papel ou da superfície, tirando partido da dualidade e ambiguidade de formas positivas e negativas, ainda que não fique claro ao observador se o que constitui a figura é o negro ou o branco. As texturas acinzentadas e ranhuradas que a xilografia possibilitava eram recursos relativamente raros nas gravuras do artista, ainda que as tenha utilizado com parcimônia.
Juarez Paraiso conheceu Adam Firnekaes no Instituto Cultural Brasil-Alemanha (Icba ou Goethe Institut), local onde o pintor alemão ministrava um curso de pintura experimental para leigos, iniciado em 1962. A partir daquele momento, estabeleceu-se uma amizade entre os dois e, em razão de objetivos e interesses comuns, juntos, organizaram a exposição Artistas Abstratos da Bahia, aberta às 18 horas do dia 2 de março de 1964, conforme noticiaram os jornais locais (ANTES…, 1964, p. 3; ICBA…, 1964, p. 6). A mostra reuniu as produções abstratas dos dois às de Calasans Neto, Riolan Coutinho, Sante Scaldaferri e Luiz Gonzaga. Essa exposição marcou o início das atividades do Icba naquele ano. O jornal A Tarde (ARTISTAS…, 1964b, p. 16) estampava uma foto na qual figuravam Luiz Gonzaga, Juarez Paraiso, Riolan Coutinho, Sante Scaldaferri e Adam Firnekaes. Tendo como título Artistas Abstratos no Icba, o diário noticiou o evento da seguinte maneira:
É essa a primeira vez que expõem juntos os principais representantes da pintura abstrata na Bahia, o que, no dizer do prof. Hélio Simões, desmente seja a Bahia, “centro e cidadela de um academismo tradicionalista e retrógrado, ou pelo menos, de um academismo estático e saudosista”. A exposição ocupa três amplos salões do ICBA e apresenta, o que constitui novidade na Bahia, um catálogo bem impresso, com um texto do professor e crítico Hélio Simões, notas bibliográficas [sic] dos artistas e reprodução de um trabalho de cada expositor. (ARTISTAS…, 1964b, p. 16).
O catálogo a que a reportagem de A Tarde se referiu conferiu um tratamento profissional à mostra e materializou um documento de registro à posteridade.
O pintor, gravador e escultor Calasans Neto (1932-2006) nasceu em Salvador. Acometido de poliomielite aos sete anos de idade, ficou com algumas sequelas. Na adolescência descobriu a gravura. Calasans conhecera Genaro de Carvalho quando da realização do mural deste no Hotel da Bahia e recebera o convite para utilizar seu ateliê. Depois, seguiu-se um curso livre com Mario Cravo Júnior, na Escola de Belas Artes. A escolha da gravura deu-se pela afinidade e pela possibilidade de circulação da obra, conforme declarou: “[...] descobri que trabalhando como gravador, com o múltiplo, poderia ter uma maior facilidade de circulação. O meu trabalho podia viajar num país tão grande.” (PORTUGAL et al., 1998, p. 119).
O trabalho abstrato de Calasans Neto tem como ponto de partida texturas livres que formam superfícies diferenciadas entre si. Os contrastes no entrelaçamento dessas áreas negras com as texturizadas criam dramáticas ambientações semelhantes às que se podem observar em formações rochosas, processo que evidencia a abstração como resultado de estilização formal a que o artista submete as rochas das praias, as grutas e as ondas quebrando nos arrecifes. O artista deixa entrever esse vínculo nos títulos das obras. Um exemplo que evidencia essa estilização formal é uma imagem que compõe o álbum Taigara, na qual é mais nítido o ponto de partida do artista para a estilização, almejando alcançar uma formulação abstrata (MIDLEJ, 2008, f. 115).
Riolan Coutinho (1932-1994) nasceu em Pojuca, Bahia, e teve seu aprendizado na Escola de Belas Artes, com ingresso no curso Pintura, em 1950, concluindo-o cinco anos depois (COUTINHO, 1950-1957, p. 3). Juntamente com Juarez Paraiso, trabalhou na organização das I e II Bienais Nacionais de Artes Plásticas (Bienais da Bahia), em 1966 e 1968, respectivamente (COELHO, 1973, f. 162). A produção abstrata de Riolan Coutinho secundou obras de cunho expressionistas que realizava anteriormente e caracterizava-se pelo tachismo, tendo em vista a ênfase em largas manchas cromáticas que o artista explorava nas pinturas (MIDLEJ, 2008, f. 117). Perduraria na abstração até 1967, quando retornou à figuração (COELHO, 1973, f. 162).
Sante Scaldaferri (1928) é natural de Salvador. Diplomou-se em Pintura pela Escola de Belas Artes da UFBA em 1957. A maior parte de sua produção em pintura é figurativa e reflete a raiz popular, mais especificamente o drama do povo do Sertão Nordestino, sua cultura e sua religiosidade. Desde 1957 usa o ex-voto como signo-símbolo. A partir da década de 1980, passou a utilizar a técnica de encáustica (ARTISTAS…, 1964a, não paginado). Sua produção abstrata caracteriza-se pela utilização da cor e texturas que extraem recursos da matéria, como se fora representações de vistas aéreas de regiões com fortes elementos matéricos, os quais, combinados ou opondo-se uns aos outros, terminam por produzir sensações mistas de estranheza e de beleza. O próprio artista pontua sua produção abstrata como realizada em dois momentos: um que chamou de “cósmico”, representado por Fuga, e outro de “aerofotogramétrico” (TRIPODI, 1999, f. 61), dos quais A ilha e Nordeste são exemplos. Nordeste foi exibido na inauguração do Museu de Arte Popular do Museu de Arte Moderna, no Solar do Unhão, em 1963. No ano seguinte, participou de duas mostras: Artistas Abstratos da Bahia, em 1964 e, naquele mesmo ano, Artistas da Bahia, na Galeria do Serviço de Informação e Divulgação Cultural dos Estados Unidos da América - United States Intelligence Service – Usis. (MIDLEJ, 2008, f. 120).
E, por fim, Luiz Gonzaga (1936) ou Gonzaga, como assinava suas obras, nasceu em Alcobaça, Bahia, e estudou, em 1950, na primeira série do Curso Anexo da Escola de Belas Artes da UFBA, antes de tornar-se aluno regular de Pintura daquela instituição, em 1959, concluindo-o em 1963 (REVISTA DA BAHIA, 1965, não paginado). A opção pela abstração deu-se como consequência do esforço empreendido pelo artista para evoluir do aprendizado de formação acadêmica para uma área de criação mais livre e expressiva. Trabalhou com gouache, depois com óleo e empastes de tinta e, em alguns casos, com massa de gesso e pigmento para dar relevos e criar texturas específicas. Ele era ainda estudante da Escola de Belas Artes quando participou da exposição Artistas abstratos da Bahia, no Icba, em 1964, ano também de realização de outra pintura, a qual fazia parte de uma série de cinco, de predominância de tons terroso-avermelhados.
Luiz Gonzaga utiliza como recurso expressivo a pastosidade da tinta e a texturização do suporte contrapostos a estruturas circulares e ovoides para estabelecer relações de força e tensões entre os elementos da composição. Resultam em obras de estruturações informais e de forte dramaticidade. O uso de terras, beges e ocres vai configurar uma monocromia, como a deixar transparecer ao fruidor que as relações dinâmicas de peso e oposição entre as formas mais estáveis podem, a qualquer instante, atingir a desestruturação que começa a se evidenciar no centro do trabalho, alternando a harmonia da flutuação das formas ovoides com um desprendimento de forças que implodem a calmaria reinante. (MIDLEJ, 2008, f. 122).
Constituiu-se assim a denominada segunda geração modernista baiana que dentre outras possibilidades expressivas se manifestou por meio da abstração.
ARTISTAS abstratos da Bahia. Salvador: Instituto Cultural Brasil-Alemanha, 1964. Não paginado. Catálogo de exposição aberta em 2 mar. 1964a.
ARTISTAS abstratos no ICBA. A Tarde, Salvador, p. 16, 7 mar. 1964b.
COELHO, Ceres Pisani Santos. Artes plásticas: movimento moderno na Bahia. 1973. 223 f. Tese (Concurso para professor Assistente do Departamento I) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1973.
COUTINHO, Riolan Metzker. Boletim Escolar do curso Pintura da Escola de Belas Artes. Salvador, 1950-1957. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, 4 p. Caixa 203. Manuscrito sobre formulário impresso em clichê.
ICBA realizará exposição de artistas abstratos da Bahia. Jornal da Bahia, Salvador, [p. 6], 27 fev. 1964.
MELLO, Gley. Glei Melo. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, [2006]. Não paginado. Catálogo com reproduções de obras do artista. Apresentação de Juarez Paraiso.
MIDLEJ, Dilson Rodrigues. Juarez Paraíso: estruturação, abstração e expressão nos anos 1960. 2008. 200 f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador.
MUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIA. Museu de arte moderna da Bahia. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2002.
PARAISO, Juarez Marialva Tito Martins. Artes plásticas. Diário de Notícias, Salvador, Caderno 2, p. 5, 22 jul. 1966.
PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. 5 vol. 559 p.
______. Jenner: a arte moderna na Bahia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. 184 p.
REVISTA DA BAHIA. Salvador, Imprensa Oficial da Bahia, ano 4, n. 4, set. 1965. Não paginado.
PAULO DARZÉ GALERIA DE ARTE. Catálogo de Leilão. Salvador, 31 ago. 2004, não paginado, il., color. 28 x 21,5cm. Exposição de 26 a 30 ago. 2004.
PORTUGAL, Claudius et al. Calasans Neto: gravuras. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; Copene, 1998. 124 p.
SCALDAFERRI, Sante. Sante Scaldaferri. Salvador: Governo da Bahia; Desenbanco, [1988]. Não paginado. Catálogo comemorativo de 30 anos de carreira
SOBRAL, Newton. Artes: arte de Sônia Castro será exposição na Goya. Jornal da Bahia, Salvador, Caderno 1, p. 7, 23 out. 1964a.
______. Artes: pintores abstratos reagem. Jornal da Bahia, Salvador, Caderno 1, p. 7, 13 nov. 1964b.
SÔNIA traz o sol em nova fase de pintura. Jornal da Bahia, Salvador, Caderno 1, p. 5, 24 out. 1964.
TRIPODI, Aldo. Sante Scaldaferri: uma poética do feio. 1999. 137 f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1999.
Autores(as) do verbete:
Data de inclusão:
09/01/2014
D536
Dicionário Manuel Querino de arte na Bahia / Org. Luiz Alberto Ribeiro Freire, Maria Hermínia Oliveira Hernandez. – Salvador: EBA-UFBA, CAHL-UFRB, 2014.
Acesso através de http: www.dicionario.belasartes.ufba.br
ISBN 978-85-8292-018-3
1. Artes – dicionário. 2. Manuel Querino. I. Freire, Luiz Alberto Ribeiro. II. Hernandez, Maria Hermínia Olivera. III. Universidade Federal da Bahia. III. Título
CDU 7.046.3(038)