O Surrealismo é um movimento que surgiu em Paris nos anos 1920, fomentado por escritores franceses e que se estendeu às artes plásticas e ao cinema. Liderados pelo escritor e estudante de medicina André Breton, inspiraram-se na psicanálise para dar encaminhamento a seus processos artísticos. No Manifesto do Surrealismo (1924), Breton escreveu: “O surrealismo repousa na crença[...]
O Surrealismo é um movimento que surgiu em Paris nos anos 1920, fomentado por escritores franceses e que se estendeu às artes plásticas e ao cinema. Liderados pelo escritor e estudante de medicina André Breton, inspiraram-se na psicanálise para dar encaminhamento a seus processos artísticos.
No Manifesto do Surrealismo (1924), Breton escreveu: “O surrealismo repousa na crença em uma realidade superior de certas formas de associação negligenciadas, como o poder do sonho e o jogo desinteressado do pensamento.” (BRETON, 1990, p. 36. Tradução nossa.) Com base na psicanálise de Sigmund Freud, que se afirmava, Breton concebeu que as associações de imagens do inconsciente poderiam elucidar problemas da existência humana, assim como serem projetadas através das diferentes linguagens artísticas. Sugeriu, então, a utilização do “automatismo psíquico puro” como método para a criação artística:
[...] através do qual, propõe-se a exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, ou ainda de outra foma, o funcionamento real do pensamento. Ditado pelo pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, independentemente de qualquer preocupação estética ou moral. (BRETON, 1990, p.36. Tradução nossa.)
Os surrealistas compreenderam que havia uma resolução entre os estados de sonho e realidade que lhes permitia alcançar uma síntese de imagens interiores e exteriores a que chamaram de surreal. (BRETON, 1990, p. 36.)
Nas artes plásticas, o dadaísmo e a pintura metafísica italiana foram antecedentes imediatos do surrealismo europeu, entretanto, em muitas representações artísticas de várias épocas e lugares prevalece uma linguagem simbólica que remete ao estado de “irrrealidade”, buscado pelos surrealistas. Eles reivindicavam o direito ao maravilhoso, ao sonho, à imaginação e ao “hasard objective” (o acaso na arte)
A abertura de galerias, a publicação de livros e artigos fizeram com que o movimento se expandisse. Divergências políticas entre membros do grupo e acerca dos procedimentos artísticos não deixaram de acontecer. Salvador Dalí, por exemplo, não concordava com o automatismo psíquico puro – espontâneo ou resultante apenas de imagens sonhadas -, proposto por Breton, e se encaminhou em defesa do onirismo surrealista, adepto à associação livre, com o acréscimo e a supressão de elementos da criação, por considerar que as formas exteriores ofereciam um repertório maior do que a dos sonhos e a pintura exigia que se fizesse dela mesma material de sonho.
A reverberação do surrealismo foi intensa em diversos países e houve o interesse em sua divulgação tanto por parte de André Breton, que acreditou mais no surrealismo do que na religião e na política e o tomou uma espécie de filosofia, como por parte de Salvador Dalí, figura mais midiática, convicto de ter sido o maior conquistador do “irracional”. (DESCHARNES; NERET, 1990, p.106.)
A partir da década de 1930, a internacionalização do movimento se fez através de conferências, revistas e de sucessivas exposições. Iugoslávia, Tchecoslováquia, Dinamarca, Suíça, Suécia, Inglaterra, Espanha, Portugal, Japão, EUA e México foram alguns países onde encontrou artistas adeptos.
No Brasil, as suas referências tocaram alguns artistas em São Paulo e no Rio de Janeiro, no final dos anos 1920 e 1930. Em Salvador, capital da Bahia, a aceitação de tendências de vanguarda nas artes plásticas por parte do público habituado ao academicismo não ocorreu facilmente, mas as barreiras foram sendo rompidas no final dos anos 1940 e a emergência de artistas com grande mobilidade, como Carlos Bastos e Mário Cravo, que, com Genaro de Carvalho, foram os pioneiros do movimento moderno baiano, contribuiu para uma renovação estética, tendo a adesão de outros artistas baianos e de vários vindos de fora. A arquitetura e o urbanismo, a música, a dança, o teatro e a poesia fizeram parte dessa renovação cultural da cidade do Salvador a partir dessa época.
A partir de então, sucessivas gerações de artistas plásticos foram afirmando as suas visões de mundo e seus processos, buscando expressar as suas emoções e ideias pessoais e do imaginário cultural, ao tempo que se entregavam a experiências proporcionadas por visões desencadeadas pela arte ocidental de vanguarda do século XX. Essas experiências estavam distantes da arte acadêmica que prevaleceu na Bahia até meados dos anos 1960.
Não se formou nenhum neo-movimento defendendo a bandeira do surrealismo na Bahia, pois os artistas estavam mais preocupados em pesquisar as possibilidades plásticas e garantir a sua liberdade de expressão. Desse modo, vários deles passearam por várias tendências, como o expressionismo, o surrealismo e o abstracionismo, a fim de se expressar e comunicar através da arte.
Não se pode deixar de mencionar que em 1967, na cidade de São Paulo, por onde vários artistas baianos circularam nos anos 1960, um grupo começou a trabalhar, formando um núcleo, cuja atuação culminou com a organização da 1ª Exposição Surrealista / XIII Exposição Internacional do Surrealismo em 1967. A sua preparação contou com a colaboração de André Breton, mas este não chegou a vê-la. Foram distribuídos, a essa ocasião, três mil exemplares do catálogo da exposição intitulada A Phala, que veiculou texto escrito em espanhol enfatizando a existência de muitas manifestações isoladas que não faziam parte do movimento, mas tinham pontos em comum como a “ideia capital de liberação do espírito, que desencadearia as forças mágicas” comuns às artes plásticas e à poesia da América Latina. (A PHALA, ago 1967, p. 3.)
Com base na análise de obras, em depoimentos de artistas e críticas de arte, é possível afirmar que alguns artistas baianos, entre os anos 1940 e 1970, experimentaram procedimentos provindos do surrealismo em seus processos artísticos e que alguns obtiveram resultados de um onirismo que não esconde a difusão das imagens surrealistas mundo a fora, o que pode ser identificado em trabalhos de Carlos Bastos (1925 – 2004), Hélio Basto (1931 -1991), Gilson Matos (1954), Geraldo Rocha (1942 – 1970), Adilson Santos (1944), Antônio Francisco de Souza Neto (Antoneto) (1948), Eduardo Carvalho (1948), Fernando Jesus de Oliveira (Ferjó) (1946), Antônio Gomes Marques (1954), entre outros, e poderá ser conferido em breve em consulta às suas biografias que vêm sendo postadas neste Dicionário.
Autores(as) do verbete:
D536
Dicionário Manuel Querino de arte na Bahia / Org. Luiz Alberto Ribeiro Freire, Maria Hermínia Oliveira Hernandez. – Salvador: EBA-UFBA, CAHL-UFRB, 2014.
Acesso através de http: www.dicionario.belasartes.ufba.br
ISBN 978-85-8292-018-3
1. Artes – dicionário. 2. Manuel Querino. I. Freire, Luiz Alberto Ribeiro. II. Hernandez, Maria Hermínia Olivera. III. Universidade Federal da Bahia. III. Título
CDU 7.046.3(038)