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LOPES, Antonio da Silva

LOPES Antonio da Silva (Lisboa, 1778/79 – após 1824 )    Ofício: pintor – desenhista   Dados biográficos:   Antonio da Silva Lopes foi o primeiro professor e diretor da Aula de Dezenho e Figura criada em Salvador por carta régia de D. João de 8 de Agosto de 1812. As pesquisas dedicadas à Escola[...]

Referências
A Idade d’Ouro do Brazil, n. 61, terça-feira 10 de Dezembro de 1811

A Idade d’Ouro do Brazil, n. 24, terça-feira 23 de Março de 1813

A Idade d’Ouro do Brazil, n. 39, sexta-feira 14 de Maio de 1813

A Idade d’Ouro do Brazil, n. 53, sexta feira 3 de Julho de 1818

Almanach do anno de 1807, Lisboa: Impressão Régia.

Almanach Portuguez anno de 1826, Lisboa: Impressão Régia.

Diário das Cortes da Nação Portugueza, 1823, tomo 2º, [vol. 9]

Jornal de Bellas Artes ou Mnemosine Lusitana, 1816, vol. 1, nº V

ALMEIDA, Manuel Lopes de (org.) Notícias Historicas de Portugal e Brasil (1751-1800), Coimbra: 1964.

ALVES, Marieta. Dicionário de Artistas e Artífices na Bahia (1976)

BALBI, Adrien. Essai statistique sur le royaume du Portugal et d’Algarve compare aux autres états de l’Europe, Paris: chez Rey et Garnier Libraires, 1822,

CAMPOS, Maria de Fátima Hanaque. A pintura religiosa na Bahia (1790-1850). vol.  II, tese de doutoramento, Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Departamento de Ciências e Técnicas do Património, Porto, vol II, 2003.

 

FARIA, Miguel Figueira de. “Joaquim Carneiro da Silva e o Plano da Aula Pública de Desenho de Lisboa: contributo para a história do ensino das Belas Artes em Portugal” in FERREIRA-ALVES, Natália Marinho (coord.) Artistas e Artífices no Mundo de Expressão Portuguesa. Porto: CEPESE, 2008.

MORALES DE LOS RIOS FILHO, Adolpho “O ensino artístico”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n. 239, Abril-Junho, Rio de Janeiro: IHGB, 1958

OTT, Carlos. História das Artes na Cidade de Salvador1967.

QUERINO, Manoel Raymundo. Artistas Bahianos (indicações biográficas), Bahia: officinas da Empreza “A Bahia”, 1911.

RODRIGUES, Francisco de Assis. “Variedades – Comemorações de Faustino José Rodrigues” in CASTILHO, Antonio Feliciano de. Revista Universal Lisbonense- Jornal dos Interesses Physicos, Moraes e Litterarios, tomo 2, Lisboa: Imprensa Nacional, 1843, p. 257

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A primeira Gazeta da Bahia a Idade d’Ouro do Brasil, Salvador: EDUFBA, 2011.

TELLES, Patricia Delayti. Retrato entre baionetas: prestígio, política e saudades na pintura do retrato em Portugal e no Brasil entre 1804 e 1834, tese de doutoramento, Universidade de Évora, 2015.

TELLES, Patricia. "Brasil e Portugal à sombra de Saint Sulpice : o 'Retrato dos Viscondes da Pedra Branca com a sua filha' por Domingos António Sequeira” in VALLE, Arthur, DAZZI, Camila e Isabel PORTELLA (org.) Oitocentos Intercâmbios Culturais entre Brasil e Portugal, tomo III, Seropédica, Rio de Janeiro: Editora da UFRRJ, 2013, pp. 412-423.

LOPES Antonio da Silva (Lisboa, 1778/79 – após 1824 ) 

 

Ofício: pintor – desenhista

 

Dados biográficos:

 

Antonio da Silva Lopes foi o primeiro professor e diretor da Aula de Dezenho e Figura criada em Salvador por carta régia de D. João de 8 de Agosto de 1812. As pesquisas dedicadas à Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (futura Academia Imperial de Belas Artes) criada em 1816 no Rio de Janeiro pelos professores da chamada “missão francesa” quase apagou a sua importância. Trata-se contudo de uma instituição fundamental para a história da arte no Brasil, a segunda instituição de ensino oficial de artes aberta no país, doze anos após a primeira, a Aula Publica de Desenho e Figura (conhecida como Aula do Nu) criada por por carta régia de D. Maria I no Rio de Janeiro, em 20 de Novembro de 1800, tendo como professor o pintor fluminense Manuel Dias de Oliveira (1765-1837) e igualmente esquecida.

Tal como Manuel Dias, que afirmava ter estudado em Roma com o famoso pintor Pompeo Batoni (1708-1787) – fato que a documentação não comprova, Antonio da Silva Lopes provavelmente exagerou quanto à sua experiência anterior, pois em anúncio na Gazeta do Rio de Janeiro a 18 de Maio de 1811 ao qual voltaremos, afirmava ter sido, em Lisboa, 1o substituto (ou seja professor) de uma Academia Portugueza do Nu em Lisboa, título que se repete no decreto de criação da escola e que outros historiadores, como Manuel Querino ou Carlos Ott, naturalmente seguiram.

Ora, os artistas portugueses tentavam criar uma Academia há muito tempo. Não faltaram tentativas: pelo menos três, em Lisboa, entre 1780 e 1789, todas de pouca duração. O nome de Antonio da Silva Lopes não aparece vinculado a nenhuma delas, e ele teria sido muito jovem para ter ensinado nelas. Antes da partida da família real para o Brasil, em 1807, sem falar em estabelecimentos de ensino para meninos de elite, como o Colégio dos Nobres, ensinava-se desenho na Casa Pia, na Aula de Gravura da Imprensa Régia, na da Casa Literária do Arco do Cego, e sobretudo na Aula Régia de Desenho, , também conhecida como Aula Pública de Desenho ou ainda como a Aula do Rocha. Fundada em 1781 por Joaquim Manuel da Rocha (1727-1786), era a mais famosa escola de arte em Portugal na época. Segundo ele próprio afirmou em 1798, Antonio da Silva Lopes estudou nessa escola, tendo como professor Eleutério Manoel de Barros (c.1760?- após 1823), que substituira “o Rocha” após a sua morte: mas não consta que tivera nela qualquer posição docente.

De fato, a documentação revela apenas um pintor chamado Antonio da Silva Lopes ativo no mundo luso-brasileiro no período de transição entre finais do século XVIII e o início do XIX. Assim, malgrado a possibilidade de um homónimo, acreditamos que seja ele o pintor que, a 21 de Maio de 1798, denunciou ao Tribunal do Santo Oficio de Lisboa (a Inquisição), um outro pintor chamado José de Almeida Furtado (1778-1831) que identificava como sendo “seu amigo” e colega. A burocracia da Inquisição registrou também o que Lopes declarou sobre si mesmo: morador da baixa de Lisboa, na rua dos Ourives da Prata, não mencionou o nome do pai, apenas o da mãe, Vitória Joaquina da Conceição e disse ter dezoito para dezenove annos, o que nos permite inferir que nasceu por volta de 1779[1].

Como Almeida Furtado, estudava na Aula Régia de Desenho em Lisboa com os artistas Eleutério Manoel de Barros e Germano António Xavier de Magalhães (1767-ap. 1826). A principal fonte sobre a pintura portuguesa de finais do século XVIII, a Coleção de Memórias de Cirilo Volkmar Machado, publicada pela primeira vez em 1823, menciona Germano António Xavier de Magalhães apenas como “architecto e professor” então com “56 annos”. Machado escreveu durante a vida inteira e às vezes se engana mas, atendo-nos à data da publicação, Germano terá nascido por volta de 1767 (MACHADO, 1922, 244-245). Trabalhou também como inventor, pintor em miniatura[2], foi primeiro escriturário do Real Erário (ou seja do Tesouro Nacional) e “professor substituto” de Desenho e Arquitectura Civil na Real Aula de Desenho e Arquitectura durante mais de 36 anos[3]. Ainda vivia em 1826 (Almanach Portuguez para 1826, [1827?], 230 e 424).

Outro professor de Antonio da Silva Lopes na Aula Régia de Lisboa foi Eleutério Manuel de Barros, por sua vez aluno do desenhista e gravador Joaquim Carneiro da Silva (1727-1818) por volta de 1769 (FARIA, 2008). Trabalhou como gravador até 1775, quando seguiu para Roma, onde estudou com o pintor italiano Ludovico Stern (1709-1777). Voltou para Lisboa em 1782, trazendo um painel de Pompeo Batoni encomendado por D. Maria I para a Basílica da Estrela. Em 1790, pintou duas telas para a nova igreja. Já assumira então a docência na Aula Régia de Desenho e Figura onde lecionou por mais de 25 anos, até 1812[4] quando um ataque de “apoplexia” paralizou todo o seu lado esquerdo, impedindo-o de falar e trabalhar. Como, o professor subsituto da Aula era, na época, Joaquim Carneiro da Silva, já idoso, Eleutério foi subsitutido pelo escultor Faustino José Rodrigues (1760-1829), discípulo e assistente do famoso Joaquim Machado de Castro (1731-1822).  Essa substituição confirma que a aula se centrava no estudo do desenho, considerado então como no âmago de todas as artes, e que por isso se acreditava que devia ser ensinado por pintores e por escultores alternadamente. Note-se que o afastamento de Eleutério Manoel de Barros confundiu os historiadores, que passaram a fornecer 1812 como o ano do seu falecimento, mesmo se Eleutério ainda vivia em 1822 (BALBI, 1822, vol. II, ccij), doente e esquecido.

Voltando a Antonio da Silva Lopes que, conforme vimos, não parece ter sido substituto, mas sim aluno, da Aula Régia. No processo em que denunciava o amigo, talvez para se desculpar, Antonio da Silva Lopes afirmava proceder a mando do seu confessor, preocupado por ter ouvido durante uma conversa, Almeida Furtado mencionar algumas dúvidas sobre a religião católica[5]. A sua devoção, verdadeira ou fingida, indica uma forte proximidade à Igreja mas mesmo sem saber se Lopes era ou não bom pintor, a qualidade da pintura da sua vítima parece indicar que tenha agido por inveja ou ciúmes. A sua denúncia do amigo à Inquisição depõe contra o seu carácter, e é possível que o tenha prejudicado no meio artístico. Não terá sido estranho à sua decisão de tentar a sorte no Brasil. Pois voltamos a encontrar o seu nome em 1811, no Rio de Janeiro. Começavam a surgir, na época, as primeiras e raras iniciativas individuais de exposição de arte no mundo português. E a primeira da qual encontramos notícia no Brasil foi justamente organizada por António da Silva Lopes na capital, em Maio de 1811. Anunciou o evento na Gazeta do Rio de Janeiro, afirmando que era professor substituto de uma Academia Portugueza do Nu então inexistente em Lisboa:

António da Silva Lopes, 1o substituto da Academia Portugueza do Nu, participa, que em 22 do corrente publica a abertura da sua grande collecção de Pintura dos maiores Mestres em quasi todos os ramos. Os dias públicos são as Quartas, e Sextas feiras de tarde, das 3 horas em diante nas casas onde reside no Beco dos Cachorros, n. 23, e alem destes, extraordinariamente a Professores e pessoas intelligentes (Gazeta do Rio de Janeiro, 18 de Maio de 1811)

A exposição, realizada na sua própria casa, no Beco dos Cachorros n. 23, estava aberta ao público duas vezes por semana, mas professores e conhecedores (“pessoas intelligentes”) podiam visitá-la com hora marcada ( “extraordinariamente”). Seria talvez uma espécie de “visita guiada”, que permitia ao pintor aproximar-se dos colegas e sobretudo de potenciais clientes, o que era difícil na sociedade hierarquizada da época. É importante sublinhar que esta era a primeira vez que um evento semelhante acontecia no Brasil. Normalmente, os quadros eram expostos nas igrejas para as quais tinham sido encomendados ou, no caso dos retratos da família real, em salas conhecidas como “salas de respeito”, geralmente em organismos de governo como câmaras municipais, ou ainda em sedes de irmandades e outras associações. A iniciativa pioneira de Antonio da Silva Lopes oferecia a oportunidade rara de examinar pinturas fora do contexto áulico ou religioso – mesmo que se tratasse apenas de cópias de outros quadros, provavelmente pintadas por ele.  É curioso que não tenha tido sucesso ou qualquer outra repercussão.

Naquela mesma época, o governador da Bahia, D. Marcos Noronha e Brito (1769/71[6]-1828), 8o Conde dos Arcos, se empenhava em modernizar a  sua capital. Em carta de 21 de Maio de 1812 endereçada a António de Araújo de Azevedo (1754-1817), futuro Conde da Barca, escreve que pretendia criar uma Aula de Desenho, e já tinha apresentado um pedido nesse sentido ao Principe Regente. Pensava em empregar como professor António da Silva Lopes – que o núncio apostólico recomendara. Talvez o pintor já tivesse passado por Salvador, mas se o fez, provavelmente voltou para o Rio de Janeiro, pois lá se encontrava, já que tinha “negócios” que precisavam a intervenção de um cortesão poderoso. Nas palavras do Conde:

(…) agora espero em q V.Ex proteja o negocio de Antonio da Silva Lopes que o Nuncio recommenda como mto. bom lente pa uma Aula de Dezenho de q tanto se neccessita aqui, e que pedi a S. A. R. Em fim V.Ex ha de ser amigo da Bahia assim / como teve a bondade de o ser de seu governador que com a mais viva gratidão e respeitoso affecto tem a onra [sic] de assinar-se / De V.Ex / mto obr.o amigo do coração / C. d. Arcos” [7]

O Conde dos Arcos não parece conhecer a obra de Lopes como pintor, mas o seu pedido de proteção indica que, ou o conhecia pessoalmente, ou confiava inteiramente na recomendação do Nuncio apostólico. Este era o enviado do papa à corte de D. João VI, o principal diplomata do Vaticano. O posto encontrava-se ocupado, desde 1802[8], pelo arcebispo de Nisibi, Lorenzo Caleppi (1741-1817), primeiro em Lisboa, de onde fugiu das tropas francesas em 1808 com destino a Londres, e depois no Rio de Janeiro, onde faleceu. Não sabemos qual o seu conhecimento artístico, mas vimos que Lopes era devoto ou pelo menos próximo à Igreja, o que podia valer-lhe essa proteção – e como o arcebispo era italiano e viajara através da Europa, as elites da luso-brasileiras daquela época deviam considerá-lo culto quase que por obrigação. Este vínculo entre o núncio, o governador e o pintor confirmam a identidade de Lopes: como denunciador ao Santo Ofício, expositor no Rio de Janeiro e professor na Bahia.

Se já tinha estado na Salvador antes da criação da Aula Régia, terá sido em finais de 1811 – pois no dia 4 de Dezembro daquele ano, um certo “Antonio Lopes da Silva” desembarcou entre os passageiros do Bergantim Triumfo da Emulação, que vinha do Rio de Janeiro, após um trajeto de oito dias[9].

O que sabemos com certeza é que em 8 de Agosto de 1812, António da Silva Lopes foi nomeado professor de uma Aula de Dezenho e Figura finalmente criada pelo Principe Regente – mesmo se, naquele momento, ela só existia no papel:

Conde dos Arcos, Governador e Capitão General da Capitania da Bahia, Amigo: Eu o Príncipe Regente vos Envio muito saudar como aquelle que Amo! Tomando na Minha Real Consideração o que Me representastes no vosso Officio em data de catorze de Maio do presente anno, sobre o beneficio que Eu faria a muitos ramos de Industria, auxiliando a reconhecida propensão que tem os Meus fieis Vassallos habitantes desta Cidade para as Artes em geral, e especialmente para a Architectura Naval e Escultura, que por falta de conhecimentos de Dezenho não tem podido chegar á perfeição: Hei por bem criar e estabelecer nessa Cidade huma Aula de Dezenho e Figura. E Attendendo ao merecimento e mais partes que comcorrem na Pessoa de Antonio da Silva Lopes, Primeiro Substituto da Academia do Nu em Lisboa: Sou servido Nomea-lo Professor della, com o Ordenado de quatro centos mil reis. O que Me pareceo participar-vos, para que assim o tenhaes entendido e façaes executar. Escrita no Palácio do Rio de Janeiro em oito de Agosto de mil oitocentos e doze. Principe. Para o Conde dos Arcos.” (Arquivo Público do Estado da Bahia, Secção Colonial, Cartas-Régias, n. 1.2, v. 114, doc. 197 apud CAMPOS, vol II, 2003)

 

Contudo a nomeação não implica necessariamente que Lopes estivesse, naquele momento exato, em Salvador. E, se já estava na Bahia, alguma coisa o levou de volta ao Rio de Janeiro – talvez alguma hesitação de D. João, ou uma denúncia quanto à grandeza artificial dos seus títulos? O fato é que a escola de desenho criada não abriu imediatamente e, com certeza, Lopes deixou a capital carioca nos últimos dias de Fevereiro de 1813, pois desembarcou em Salvador a 23 de Março, após 26 dias de viagem. Encontrava-se na ilustre companhia de Domingos Borges de Barros, há pouco chegado de Paris. Conhecido de Araújo de Azevedo, amigo de seu antigo secretário e parceiro, Francisco José Maria de Brito, é provável que tenham se encontrado durante viagem tão longa, malgrado o abismo social que os apartava. Eleito anos depois deputado às cortes de Lisboa, Borges voltaria a Paris como um dos primeiros diplomatas do Império Brasileiro. Elevado a Barão e depois Visconde da Pedra Branca, reencontrou, na capital francesa, o seu amigo e protegido, Domingos António Sequeira (1767-1837), o mais importante pintor português daquela época. Teria sido Antonio da Silva Lopes o primeiro artista que Borges conheceu? Seria ele, indiretamente, responsável por uma amizade tão importante, mesmo se hoje esquecida? Orgulho da sua profissão sabemos que tinha, pois ao desembarcar já se anunciava como diretor da Escola que só conseguiu inaugurar meses mais tarde:

Entrarão neste Porto as Embarcações seguintes (…) Em 20, do Rio de Janeiro, Galera Maria, mestre Francisco Xavier da Rocha, 26 dias de viagem, carga, em lastro, de passagem Domingos Borges de Barros, Professor de Agronomia, e Antonio da Silva Diretor de Desenho, e Arquitectura Civil (…) (A Idade d’Ouro do Brazil, n. 24, terça-feira 23 de Março de 1813)

 

A abertura da Aula de Desenho foi uma vitória não apenas para Salvador, onde foi a primeira, mas para todo o Brasil, onde era a segunda. Noticiou-se a inauguração, que coincidia com as comemorações do aniversário de D. João:

Hontem celebrarão-se os ditosos annos de S.A.R. O Principe Regente Nosso Senhor com a magnificencia do estillo, e com os sentimentos de lucundidade [sic?], e de respeito, que são proprios da Nação, que o idolatra.

               De Ordem Superior se faz público, que por hum novo beneficio de Alta Generosidade de SUA ALTEZA REAL a favor desta Capital se abre no dia 20 do corrente pelas 3 horas da tarde a Aula de Dezenho em huma das Salas do Collegio.

               Todos os que quizerem frequentar esta Aula apresentar-se-hão ao seu Director Antonio da Silva Lopes na rua direita de Palacio n.o 6 onde se matricularão, e receberão as insinuações [sic] necessarias. (A Idade d’Ouro do Brazil, n. 39, sexta-feira 14 de Maio de 1813)

 

Trata-se da mesma Aula Publica de Desenho e Pintura na qual António Joaquim Franco Velasco (1780-1833) lecionou como professor substituto a partir de 1821, e da qual foi titular a partir de 1825. Durante parte do século XIX, acreditou-se até que teria sido o seu primeiro professor, mas Manuel Querino encarregou-se de retificar a informação (QUERINO, 1911, p. 66, nota 1).

Querino relata que a nova aula foi inicialmente um sucesso, atraindo todo tipo de alunos, “não só quem queria seguir a carreira artistica, mas também amadores, filhos de pessoas bem collocadas (…)” etc (QUERINO, 1911, p. 69). Menciona, entre os discípulos, os “desenhistas ou copistas”: Fortunato Cândido da Costa Dormundo, Frederico José da Silva, Manoel Antonio Pires, o pintor de miniaturas Duarte Batista e Silva, Cornélio Ferreira França, Francisco Xavier Carnide, Manuel José da Silva Antunes e José Antonio da Silveira.

No entanto, ecoando a crítica feita por Tollenare que, de passagem pela Bahia em 1816, considerou os seus alunos de Lopes “quando muito” capazes de “saber traçar alguns ornamentos para os decoradores e os moldes para os bordados de que a agulha das mulatas faz obras primas” – Querino afirma que, “a escola não deu um só pintor” durante a regência de Lopes (QUERINO, 1911, p. 69-70).

Segundo o historiador, este professor “parecia não ter méthodo de ensino ou vocação para o cargo (…)” e “(…) o [seu] processo [de ensino] era muito moroso, consumiam os alunos seis meses desenhando uma cabeça de tamanho natural, e isso produzia enfado (…)” (QUERINO, 1911, 69). Ora, sem querer desculpá-lo, se como suspeitamos – ao contrário do que tantas vezes reiterou – nunca fora professor em Lisboa, seria normal que se debatesse com o ensino. Provavelmente ensinou como estudara, e tentou incentivar os alunos distribuindo prêmios anuais aos três melhores (QUERINO, 1911, 70). É preciso lembrar que, tanto na Aula do Rocha em Lisboa como nas academias européias, até meados do século XIX aprendia-se o manejo da pintura sobretudo fora do âmbito acadêmico: o ensino que Lopes buscava emular baseava-se no aprendizado do desenho, e este na cópia, primeiro de gravuras, depois de modelagens em gesso de esculturas antigas (que dificilmente se encontrava em Lisboa, ainda mais em Salvador), e só muito mais tarde no desenho de modelos vivos. Em casos como este, a morosidade poderia até ser considerada uma virtude. E é preciso saber um pouco mais sobre o tipo de escola de desenho com que sonhava o Conde dos Arcos – a julgar pela carta que aqui mencionamos, parecia ter objetivos práticos mais do que propriamente artísticos, como seria o caso do primeiro modelo da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios no Rio de Janeiro.

O que mais surpreendente, no caso de Antonio da Silva Lopes, é que não se conheça hoje nenhuma obra de sua autoria. Querino realçou este fato incomum pois: “(…) Durante seu magistério não consta que tivesse produzido trabalho algum, assim publico, como particular” (QUERINO, 1911, p. 69). Algum excesso de pudor, de perfeccionismo ou até de preguiça podem explicar obras pouco numerosas, mas nada justifica que não haja nenhuma. Em algum lugar, escondida ou até pendurada numa parede, existe seguramente uma obra sua, assinada ou não, nem que seja um simples esboço de desenho.

O pintor ainda lecionava em dezembro de 1819, como demonstra a seguinte resposta a um pedido de aumento de salário por parte de Lopes, remetida da corte do Rio de Janeiro ao Conde da Palma (1779-1843), D. Francisco de Assis Mascarenhas, que substituira o Conde dos Arcos como governador da Bahia:

“Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor, El Rei Nosso Senhor Manda remetter a Vossa Excelência o Requerimento incluso de Antonio da Silva Lopes, Professor e Director da Real Aula de Dezenho Civil dessa Cidade: E He Servido que Vossa Excelência informe interpondo o seu parecer acerca do augmente de ordenado que pertende. Deos Guarde a Vossa Excelência. Palácio do Rio de Janeiro em 15 de Desembro 1819. Thomaz Antonio de Villanaz Portugal/ Senhor Conde de Palma”[10].

 

Manuel Querino escreve que Lopes “residiu nesta capital até o ano de 1820, sempre como catedrático da aula publica de desenho” (QUERINO, 1911, 69), mas Maria Beatriz Nizza da Silva afirma que “às vesperas da independencia”, ou seja alguns anos depois, ainda morava na rua Direita de Palácio (sic) e se dedicava à pintura de Historia, paisagem e retrato, aceitando encomendas (SILVA, 2011, 185).

Querino acreditava que teria voltado para Portugal em 1823, pois após o movimento de fevereiro de 1821, ninguém mais falou do mestre (QUERINO, 1911, 69); mas localizamos no Arquivo Nacional a chegada ao Rio de Janeiro a 18 de Novembro de 1823, na escuna D. Pedro, procedente da Bahia, de um “Antonio da Silva Lopes”, viuvo, de 45 anos, natural de Lisboa[11]. Não informa a sua ocupação, mas as datas e a idade coincidem, e Lopes se encontrava no Rio três meses depois, pois em 6 de Março de 1824, pediu à Academia Imperial continuidade de seus honorários de professor e diretor da cadeira de Desenho e Arquitetura civil, da província da Bahia, aqui na Corte, enquanto não está empregado[12].

Não sabemos a data do seu falecimento; desapareceu quase por completo da história da arte no Brasil.



[1] http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=2313717 (visto a 22 de Julho de 2012).

[2] Jornal de Bellas Artes ou Mnemosine Lusitana, 1816, vol. 1, nº V

[3] Quando pediu para se aposentar, em 1823, trabalhava há 33 anos (Diário das Cortes …, 1823, tomo 2, vol. 9, 209). O pedido deve ter sido negado, pois trabalhou pelo menos mais três anos.

[4] Segundo as reminiscencias do filho de Faustino J. Rodrigues (RODRIGUES, 1843, tomo 2, p. 257)

[7] Carta de D. Marcos Noronha e Brito a António de Araújo de Azevedo, 21 de Maio de 1812, Arquivo Distrital de Braga, Arquivo do Conde da Barca, B-5 (32,1)

[8] Segundo Suplemento à Gazeta de Lisboa, n. XXI, 29 de Maio de 1802.

[9] A Idade d’Ouro do Brazil, n. 61, terça-feira 10 de Dezembro de 1811

[10] Carta de Thomaz António Vilanova Portugal ao conde da Palma de 15 de Dezembro de 1819, APEB, Cartas-Régias, doc. 1.7, v. 120, doc. 373, apud CAMPOS, vol II, 2003.

[11] Arquivo Nacional, “Movimentação de Portugueses no Brasil 1808-1842”, códice 375, volume 1, folha 86v http://www.an.gov.br/baseluso/menu/menu.php

Referências
A Idade d’Ouro do Brazil, n. 61, terça-feira 10 de Dezembro de 1811

A Idade d’Ouro do Brazil, n. 24, terça-feira 23 de Março de 1813

A Idade d’Ouro do Brazil, n. 39, sexta-feira 14 de Maio de 1813

A Idade d’Ouro do Brazil, n. 53, sexta feira 3 de Julho de 1818

Almanach do anno de 1807, Lisboa: Impressão Régia.

Almanach Portuguez anno de 1826, Lisboa: Impressão Régia.

Diário das Cortes da Nação Portugueza, 1823, tomo 2º, [vol. 9]

Jornal de Bellas Artes ou Mnemosine Lusitana, 1816, vol. 1, nº V

ALMEIDA, Manuel Lopes de (org.) Notícias Historicas de Portugal e Brasil (1751-1800), Coimbra: 1964.

ALVES, Marieta. Dicionário de Artistas e Artífices na Bahia (1976)

BALBI, Adrien. Essai statistique sur le royaume du Portugal et d’Algarve compare aux autres états de l’Europe, Paris: chez Rey et Garnier Libraires, 1822,

CAMPOS, Maria de Fátima Hanaque. A pintura religiosa na Bahia (1790-1850). vol.  II, tese de doutoramento, Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Departamento de Ciências e Técnicas do Património, Porto, vol II, 2003.

 

FARIA, Miguel Figueira de. “Joaquim Carneiro da Silva e o Plano da Aula Pública de Desenho de Lisboa: contributo para a história do ensino das Belas Artes em Portugal” in FERREIRA-ALVES, Natália Marinho (coord.) Artistas e Artífices no Mundo de Expressão Portuguesa. Porto: CEPESE, 2008.

MORALES DE LOS RIOS FILHO, Adolpho “O ensino artístico”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n. 239, Abril-Junho, Rio de Janeiro: IHGB, 1958

OTT, Carlos. História das Artes na Cidade de Salvador1967.

QUERINO, Manoel Raymundo. Artistas Bahianos (indicações biográficas), Bahia: officinas da Empreza “A Bahia”, 1911.

RODRIGUES, Francisco de Assis. “Variedades – Comemorações de Faustino José Rodrigues” in CASTILHO, Antonio Feliciano de. Revista Universal Lisbonense- Jornal dos Interesses Physicos, Moraes e Litterarios, tomo 2, Lisboa: Imprensa Nacional, 1843, p. 257

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A primeira Gazeta da Bahia a Idade d’Ouro do Brasil, Salvador: EDUFBA, 2011.

TELLES, Patricia Delayti. Retrato entre baionetas: prestígio, política e saudades na pintura do retrato em Portugal e no Brasil entre 1804 e 1834, tese de doutoramento, Universidade de Évora, 2015.

TELLES, Patricia. "Brasil e Portugal à sombra de Saint Sulpice : o 'Retrato dos Viscondes da Pedra Branca com a sua filha' por Domingos António Sequeira” in VALLE, Arthur, DAZZI, Camila e Isabel PORTELLA (org.) Oitocentos Intercâmbios Culturais entre Brasil e Portugal, tomo III, Seropédica, Rio de Janeiro: Editora da UFRRJ, 2013, pp. 412-423.
Autoria

Autores(as) do verbete:

Patricia Delayti Telles

Data de inclusão:

13/04/2019

D536

Dicionário Manuel Querino de arte na Bahia / Org. Luiz Alberto Ribeiro Freire, Maria Hermínia Oliveira Hernandez. – Salvador: EBA-UFBA, CAHL-UFRB, 2014.

Acesso através de http: www.dicionario.belasartes.ufba.br
ISBN 978-85-8292-018-3

1. Artes – dicionário. 2. Manuel Querino. I. Freire, Luiz Alberto Ribeiro. II. Hernandez, Maria Hermínia Olivera. III. Universidade Federal da Bahia. III. Título

CDU 7.046.3(038)

 

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