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A EXPOSIÇÃO NEOCONCRETA NA BAHIA

O Neoconcretismo advém de divergências entre artistas concretistas residentes no Rio de Janeiro em relação aos de São Paulo e desenvolveu-se a partir das premissas da abstração geométrica, as quais defeniam um tipo de arte que alijava da representação a referência visual ao corpo humano ou às coisas da natureza e como corrente artística começou[...]

Referências

ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna 1820-1980. São Paulo: Cosacnaify, 1997. 380 p.


CLAY, Jean. Lygia Clark: fusão generalizada. In: ROLNIK, Suely; DISERENS, Corinne (Orgs.). Lygia Clark: da obra ao acontecimento: somos o molde: a você cabe o sopro. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2006. 98 p. Catálogo da exposição realizada de 25 jan. a 26 mar. 2006.


COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella. Abstracionismo geométrico e informal: a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: Funarte; Inap, 1987. 310 p. (Temas e debates, 5).


COSTA, Cacilda Teixeira da. Arte no Brasil 1950-2000: movimentos e meios. São Paulo: Alameda, 2004. 96 p.


FERREIRA Gullar entusiasma público: conferência ontem de Neoconcretos no Turismo. Estado da Bahia, Salvador, 17 nov. 1959. p. 3.


FERREIRA, Glória; MELLO, Cecília Cotrim de (Orgs.). Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 284 p.


GONZAGA, Luiz. Luiz Gonzaga: depoimento 6 jun. 2007. Entrevistador: Dilson Midlej. Salvador, gravação digital em áudio. Tipo de arquivo: Winamp media file. Tamanho: 7,30 MB.


GOODING, Mel. Arte abstrata. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 96 p. (Movimentos da Arte Moderna).


INÉDITA na Bahia exposição neo-concreta hoje no Belvedere. Estado da Bahia, Salvador, p. 3, 16 nov. 1959.


MERLEAU-PONTY, Maurice. O primado da percepção e suas consequências filosóficas. Campinas, SP: Papirus, 1990. 94 p.


MIDLEJ, Dilson Rodrigues. Juarez Paraíso: estruturação, abstração e expressão nos anos 1960. 2008. 200 f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador.


______. Afetividade geométrica e artesania relacional neoconcreta. In: Anais do 21o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas. Rio de Janeiro: Anpap, 2012. p. 1375-1387.  CD-ROM. ISSN 2175-8220. Versão eletrônica: ISSN 2175-8212.


NEOCONCRETISTAS vão expor em Salvador. Diário de Notícias, Salvador, p. 2,    15-16 nov. 1959.


7 DIAS das artes plásticas. A Tarde, Salvador, p. 4, 29 nov. 1960.


ZELEVANSKY, Lynn (ed.). Beyond geometry: experiments in form, 1940s-1970s. Los Angeles: The MIT Press, 2004. 240 p.

O Neoconcretismo advém de divergências entre artistas concretistas residentes no Rio de Janeiro em relação aos de São Paulo e desenvolveu-se a partir das premissas da abstração geométrica, as quais defeniam um tipo de arte que alijava da representação a referência visual ao corpo humano ou às coisas da natureza e como corrente artística começou a se desenvolver no início do século XX.

A disseminação das linguagens abstratas e concretas na América Latina ocorre inicialmente na Argentina e, no Brasil, as primeiras experiências com abstração de tendência geométrica se deram com Vicente do Rego Monteiro (1899-1970) e Cícero Dias (1907-2003), o primeiro em 1922, com Composição abstrata, e o segundo a partir de 1945, quando ambos viviam em Paris (COSTA, 2004, p. 12). Observando o desenvolvimento cronológico, o surgimento dos primeiros núcleos de artistas abstratos no Rio de Janeiro e em São Paulo se deram, então, entre 1948 e 1949. Sob a liderança de Waldemar Cordeiro se constituiu o grupo Ruptura, núcleo do Concretismo paulista e cujo manifesto foi lançado em 1952, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Além de Waldemar Cordeiro, constituíam o grupo Geraldo de Barros, Lothar Charoux e Luis Sacilotto, dentre outros.

Esse grupo paulista procurou sempre referenciar sua prática aos problemas teóricos do concretismo desenvolvido por Max Bill e pela Escola de Ulm. Max Bill havia exposto em São Paulo, no Museu de Arte de São Paulo – Masp, em 1950 e, um ano depois, obteve o grande prêmio de escultura, com a peça Unidade tripartida, na primeira Bienal de São Paulo — chamada, à época, Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Já o grupo Frente, do Rio de Janeiro, cultivou desde sua constituição grande autonomia em relação aos problemas teóricos do concretismo, ao ponto de afirmar a integração absoluta dos elementos espaço, noções de tempo, forma, cor e acreditar “que o vocabulário geométrico que utiliza pode assumir a expressão de realidades humanas complexas” (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 19). Formado por Ivan Serpa, Aluísio Carvão, Lygia Clark, Lygia Pape e mais quatro artistas, o grupo realizou sua primeira mostra em 1954. Alguns destes artistas iriam integrar, posteriormente, o movimento neoconcreto.

Em contexto artístico, o termo concreto foi utilizado pela primeira vez pelo construtivista Max Burchartz (ADES, 1997, p. 305, nota n. 7). A primeira vez que se fez um uso amplo e público da palavra, todavia, foi no título da revista Art concret, fundada pelo modernista holandês Theo Van Doesburg, em 1930, em Paris, e por seus colegas Otto Gustaf Carlsund, Jean Hélion, Leon Tutundijian e um artista conhecido apenas como Wantz (ZELEVANSKY, 2004, p. 30, nota n. 8). O Concretismo pregava que a obra de arte já deveria estar inteiramente concebida e formada na mente do artista, antes de sua execução e que nada deveria receber das formas da natureza, da sensualidade e da afetividade. “Desejamos eliminar o lirismo, as descrições, o simbolismo, etc.”. O quadro teria que ser construído com elementos puramente plásticos (planos e cores), pois só têm como significado eles próprios, “[...] portanto o quadro não tem outro significado senão o ‘dele próprio’.” (ADES, 1997, p. 245).

O modo diferente dos artistas cariocas olharem e conceberem os objetos artísticos foi apontado como um desvio da norma representada pelo grupo paulista (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 17). Isso, adicional ao fato do Concretismo atribuir à razão um papel essencial (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 22), foi o que caracterizou a diferenciação entre os grupos paulista e carioca e o que possibilitaria fundar novas relações entre o objeto artístico e o perceptor.

As ideias do poeta e crítico de arte Ferreira Gullar, principal teórico do Neoconcretismo, iriam fomentar o desdobramento de pesquisas inéditas nos artistas neoconcretos, notadamente em Lygia Clark e Hélio Oiticica. Essas ideias foram desdobradas com base em reflexões de aspectos do existencialismo, doutrina filosófica de herança fenomenológica que enfatizava o dilema da liberdade pessoal e que teve em Jean-Paul Sartre e em Maurice Merleau-Ponty dois representantes, ainda que as investigações desses filósofos tenham seguido caminhos opostos.

Foi, notadamente, o pensamento de Maurice Merleau-Ponty que fundamentou a pesquisa que terminou por conduzir o crítico maranhense e os dois artistas citados à produção de obras que demandavam a interferência do espectador para se realizarem plenamente. A arte neoconcreta, mais notadamente com os não-objetos, promovia a alteração da concepção do perceptor (espectador) para participante e das obras (objetos de arte) para manifestação ou acontecimento. Assim, peças como os Bichos — esculturas em metal de Lygia Clark, sem base fixa e com planos articulados, dos anos 1960 — “pediam” a manipulação do fruidor, para que se desenvolvessem como manifestações. O fruidor é agora transformado em partícipe ativo — ou “espectador-ator”, nas palavras da artista (CLAY, 2006, p. 13) — e integrado à criação. Na manipulação e consequente desenvolvimento temporal e sensorial do objeto dar-se-á o sentido da experiência. Com a manipulação (como se dava com os Bichos e como se propiciava também com os Bólides e Parangolés de Hélio Oiticica e os poemas manipuláveis de Ferreira Gullar, dentre outros exemplos) e a imersão do participante em ambientes e instalações, a segregação do objeto (distante, calcado apenas no aspecto visual, intocável, rígido e estaticamente pendurado na parede) chegara ao fim (CLAY, 2006, p. 13).

Essas características que distinguiam a criação carioca dos concretos paulistas foi identificada por Ferreira Gullar, que cunhou o termo neoconcreto e deu corpo à Teoria do não-objeto. Esta teoria defendia uma completa adesão dos sentidos na fruição da obra, gerando uma experiência que se desdobra no tempo e no espaço real e definia os não-objetos como peças que “pulavam” das molduras, “saltavam” das bases das esculturas e não possuíam uma forma permanente; ou seja, apresentavam estruturas mutáveis que exigiam o gesto humano do fruidor para realizá-la e completá-la, sem o qual o trabalho existia apenas como potencial. O não-objeto não tinha cima ou baixo, avesso ou direito e respondia sempre ao estímulo humano, como organismos vivos (daí, a denominação Bicho dada por Lygia Clark). Essa concepção neoconcreta explorava, nas artes visuais, o pensamento de Maurice Merleau-Ponty no que toca às noções de sensação como entrelaçamento entre sujeito e objeto e o espaço e a percepção dos objetos por todos os sentidos (a percepção, por ser um sistema complexo, amplo e significante, não tem sensações isoladas e vai-se alterando, ampliando-se e construindo-se gradualmente, sem nunca se esgotar). A percepção é o modo de a consciência humana se relacionar com o mundo exterior pela mediação do corpo. O sujeito da percepção, então, é o corpo e não o intelecto, daí o apelo sensorial dos não-objetos. (MIDLEJ, 2012, p.1378-1379).

O perceber, tornando algo presente com a ajuda do corpo compõe parte expressiva das formulações plásticas neoconcretas, as quais propuseram não só a revisão do conceito de obra de arte e das relações com o perceptor, mas também a produção mesmo das obras, no que toca à materialidade e contextualidade dos artefatos criados, uma vez que utilizaram tanto materiais orgânicos e inorgânicos (areia, terra, água, conchas), quanto industrializados, existentes no cotidiano, tais como sacos plásticos, borracha, tecido e outros elementos “moles”, próprios para manipulação e sem rigidez formal (Lygia Clark em seus Objetos relacionais, por exemplo), linhas (Lygia Clark com Baba antropofágica), areia, água, plástico, tecido, etc. (Hélio Oiticica em diversas obras). A preocupação dos artistas não era com a aparência externa da obra (o que afastava suas criações das preocupações artesanais tradicionais e, consequentemente, das relações contemplativas), e sim com sua significação estético-sensorial, que se dava pela fruição dos perceptores. Essa fruição dos perceptores aproximava as obras, porém de maneira diferenciada, do aspecto utilitário associado aos objetos artesanais, já que a “utilização” nas obras neoconcretas destinava-se à complementação de significações por pessoas e não era voltada a um aspecto especificamente prático. Dessa maneira, ao tempo em que cumpriam seus objetivos estéticos de interdependência com o perceptor, questionavam os aspectos valorativos do conceito de arte que se restringiam à apreciação visual ou que privilegiavam o uso de materiais nobres, ou ainda a classificação das obras em categorias reconhecíveis de desenho, pintura e escultura demandando, assim, a reformulação dos conceitos classificatórios na História da Arte para estas novas abordagens. (MIDLEJ, 2012, p.1380).

A pratica artística neoconcreta guardava estreita relação com o popular, observado, particularmente nas ressignificações de elementos da cultura popular que os artistas utilizavam e na quebra de hierarquias entre o terreno da produção artística e o da vida ordinária, tais como na arquitetura das favelas e na estética do samba e das festas de rua, cujos vínculos encontram-se, principalmente, nas obras de Helio Oiticica, as quais são caracterizadas por forte carga simbólica e marcos sentimentais (como em Ninhos, de 1970), bem como perdas e ausências (como no bólide-caixa 18 Homenagem a Cara de Cavalo, de 1966) e mesmo frustrações e fé (como na bandeira Seja marginal, seja herói, de 1968).

As criações neoconcretas já nasceram institucionalizadas, haja vista sua exposição de estreia ter acontecido no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, a publicação do seu manifesto ter sido feita por um jornal de grande circulação nacional, contar com a participação de grandes teóricos, a exemplo do poeta Ferreira Gullar (e de alguns dos seus artistas), e a atuação propriamente dita dos seus artistas, que já contavam com mostras expressivas em seus currículos. O irônico é que ainda que o neoconcretismo pregasse a participação ativa das pessoas, a dificuldade encontrava-se exatamente na aceitação das obras junto ao público, em função da radicalidade das proposições e da pouca artisticidade emanada visualmente pelas peças, artisticidade esta que deve ser aqui entendida como manufatura e elaboração dos elementos plásticos. Aguardava-se, portanto, a legitimidade do público fruidor, pois a institucionalização e consequente garantia de inserção nos estudos de arte e na História da Arte já se consolidavam paulatinamente. (MIDLEJ, 2012, p.1381).

É, pois, nessa relação de afetividade estética entre percepção humana e objeto de arte e no pressuposto de que a geometria não se encerra na radicalidade da razão e do reconhecimento de que pode comunicar aspectos sensíveis, emotivos e sensoriais que se norteou a produção neoconcreta no Rio de Janeiro, não, todavia, sem o estranhamento (ou mesmo descaso) por parte do público, acostumado às manifestações artísticas convencionais, no sentido que se calcavam no aspecto ótico da aparência visual. É também neste contexto inicial de indiferença e pouca acolhida às manifestações das primeiras produções neoconcretas (e, portanto, ainda sem apresentar a radicalidade que algumas proposições assumirão posteriormente, principalmente em relação às obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica) que foram expostas em Salvador em 1959, poucos meses após a realização da primeira exposição de arte neoconcreta realizada no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, e do lançamento do manifesto neoconcreto, pelo Suplemento Dominical do Jornal do Brasil.

Anunciada pela imprensa soteropolitana como uma “Grande Exposição de Arte Neo-concreta” (INÉDITA…, 1959, p. 3), a mostra foi aberta às 18 horas de 16 de novembro de 1959, segundo o jornal Estado da Bahia, ou às 19 horas de acordo com o noticiado pelo Diário de Notícias (NEOCONCRETISTAS…, 1959, p. 2), uma segunda-feira, na Galeria do Departamento Municipal de Turismo, espaço de expressiva atuação na divulgação das artes plásticas nas décadas de 1950 e 1960, popularmente conhecido como Belvedere da Sé, situado no Centro Histórico de Salvador, no local onde existiu a antiga Igreja da Sé.

Identificado como “[...] o grupo do Rio, que milita no Suplemento Dominical do ‘Jornal do Brasil’” (INÉDITA…, 1959, p. 3), o diário Estado da Bahia informava constar do evento: pintura, desenho, gravura, prosa e poesia à maneira neoconcreta. Tratava-se de algo que, além de visto, seria explicado ao público baiano em uma conferência que o poeta e principal teórico do movimento, Ferreira Gullar, pronunciaria às 20h30, naquele mesmo dia e local, ocasião em que foram convidados (pela imprensa) poetas, escritores, pessoas interessadas em literatura e artistas em geral (INÉDITA…, 1959, p. 3). A ênfase ali dada ao que corresponderia a ser “explicado ao público baiano” parece dizer respeito muito mais à apresentação das ideias neoconcretas e do entendimento destas em relação à nova produção artística apresentada na exposição do que propriamente “explicação” acerca das obras. (MIDLEJ, 2012, p. 1382).

Dois dias antes da abertura da exposição ao público, chegaram a Salvador Lygia Clark, Hélio Oiticica, Aloísio Carvão, Lygia Pape e os poetas Ferreira Gullar e Cláudio Mello e Souza. Foram duas as edições do Estado da Bahia (INÉDITA…, 1959, p. 3; FERREIRA…, 1959, p. 3) que noticiaram a presença em Salvador apenas desses seis artistas mencionados. Já o Diário de Notícias (NEOCONCRETISTAS…, 1959, p. 2) elencou 12 pessoas como os que vieram à Salvador. Neste último caso é possível que a reportagem estivesse relacionando todos os artistas cujas obras vieram para Salvador, compondo a exposição, e não a presença física deles, visto tratar-se de muitas pessoas e levando-se em consideração os compromissos pessoais que muitos deles deviam ter. “São os seguintes os artistas que vieram a Salvador para divulgação do movimento: Reinaldo Jardim, Ligia Clark, Ferreira Gullar, Ligia Pape, Claudio Melo e Souza, Carlos Fernando Fortes de Almeida, Theon Spanudis, Willys de Castro, Hélio Oiticica, Amilcar de Castro, Franz Weissmann e Aloisio Carvão.” (NEOCONCRETISTAS, 1959, p. 2).

Segundo o Estado da Bahia, o grupo “[...] infelizmente, até o momento, [passou] desapercebido pela imprensa e por outras pessoas do nosso meio cultural” (INÉDITA…, 1959, p. 3). O jornal dos Diários Associados comentava ainda a desorganização e a falta de apoio dos organizadores à exposição: “Lamentavelmente ontem à noite a exposição ainda estava por montar e a falta de qualquer assistência material aquí na Bahia, obrigou os expositores a lavarem com as próprias mãos o chão e as paredes do Turismo e depois levantarem os painéis” (INÉDITA…, 1959, p. 3). “Turismo”, aqui, refere-se ao local, a Galeria do Departamento Municipal de Turismo.

A exposição teve a duração de quinze dias e ficou sob os cuidados do Diretório Acadêmico do curso de Arquitetura, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. Segundo depoimento do artista e ex-professor da Escola de Belas Artes, Luiz Gonzaga de Oliveira Cruz (GONZAGA, 6 jun. 2007), aluno de Belas Artes naquela época, o Diretório Acadêmico de Arquitetura existia independente dos cursos de Artes Plásticas (constituídos de Pintura, Escultura e Gravura). Luiz Gonzaga — que anos depois se tornaria representante estudantil do Diretório Acadêmico de Artes Plásticas — esteve na abertura da exposição neoconcreta e comentou que os trabalhos tridimensionais de Lygia Clark e de Hélio Oiticica foram os que mais chamaram sua atenção.

O Estado da Bahia denunciou:

[...] o descaso com que os organizadores da Bahia agiram [...] [a exposição era] sem dúvida o maior acontecimento cultural do ano na Bahia [...] não teve a necessária cobertura jornalística, à maneira do que se faz com muitas exposições de segunda que acontecem habitualmente. (INÉDITA…, 1959, p. 3).

Ainda segundo aquele jornal:

Exposição de arte que deveria, pela sua importância cultural, receber da Bahia a maior atenção e o maior apoio, a mesma exposição que foi recentemente convidada para ir a Stugart (Alemanha) num certame internacional de Arte Concreta, passou até o momento pràticamente em brancas núvens. (INÉDITA…, 1959, p. 3).

A edição do Estado da Bahia do dia seguinte à abertura da exposição neoconcreta assim comentou a afluência à conferência de Ferreira Gullar:

[...] um pequeno mas interessado público [...] o encontro de idéias gerou animado debate do qual participaram os poetas Carlos Anísio Melhor, João Gil Gomes, Florisvaldo Mattos, Diretor da Biblioteca, Pericles Diniz Gonçalves e o gravador Henrique Oswald. (FERREIRA…, 1959, p. 3).

Por meio da exposição neoconcreta em Salvador, a arte contemporânea brasileira fazia sua discreta aparição no Estado. Essa exposição neoconcreta foi a primeira mostra de obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica em Salvador, além dos demais artistas neoconcretos e antecipa, em sete anos, a participação dos dois artistas mencionados na Primeira Bienal Nacional de Artes Plásticas, a Bienal da Bahia, aberta ao público em dezembro de 1966, no Convento do Carmo, no Centro Histórico de Salvador. A Primeira Bienal Nacional de Artes Plásticas premiou tanto Lygia Clark — que granjeou o prêmio nacional de escultura —, quanto Helio Oiticica. Faz-se necessário destacar que as obras destes dois artistas foram antes exibidas pela primeira vez na Bahia na exposição neoconcreta, visto a corrente e errônea disseminação da informação de que isto teria ocorrido somente por ocasião da Primeira Bienal da Bahia.

Já em projeto desde 1960, a Bienal Nacional de Artes Plásticas teve entre seus idealizadores Alaor Coutinho, diretor do Departamento da Educação Superior e da Cultura – Desc — espécie de Fundação Cultural do Estado da época — no governo de Antonio Lomanto Júnior, tendo o artista baiano Juarez Paraiso como secretário geral e a participação dos também artistas Riolan Coutinho, Chico Liberato e do arquiteto Pasqualino Magnavita, todos representantes da segunda geração modernista da Bahia. O jornal A Tarde, de 29 de novembro de 1960, publicou uma nota que anunciava Mario Pedrosa como o novo diretor do MAM-SP, bem como o início dos preparos para a sexta Bienal de São Paulo. Segundo aquele jornal, ao ser perguntado sobre o que havia de concreto na notícia da realização de uma bienal nacional na Bahia, nos anos em que não ocorressem a Bienal Internacional de São Paulo, Matarazzo Sobrinho, presente à entrevista, declarou que “a Bienal Bahiana não ultrapassará a fase especulativa” (7 DIAS… 1960, p. 4), prognóstico esse desmentido com as realizações posteriores do evento em 1966 e 1968. Essa reportagem, todavia, comprova que os planos de realização das Bienais da Bahia já datavam do final de 1960. (MIDLEJ, 2012, p.1385, nota 15).

Assim, consolidou-se a contribuição de artistas neoconcretos na abordagem de uma nova significação na produção e fruição da arte, em que o signo geométrico é recoberto ou ressignificado em um novo contexto onde o sensorial e a sensibilidade do fruidor ajudam ou literalmente dão corpo à constituição de sua significação, na vivência real e no contato físico das pessoas com as peças. (MIDLEJ, 2012, p.1383-1384).

 

Referências

ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna 1820-1980. São Paulo: Cosacnaify, 1997. 380 p.


CLAY, Jean. Lygia Clark: fusão generalizada. In: ROLNIK, Suely; DISERENS, Corinne (Orgs.). Lygia Clark: da obra ao acontecimento: somos o molde: a você cabe o sopro. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2006. 98 p. Catálogo da exposição realizada de 25 jan. a 26 mar. 2006.


COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella. Abstracionismo geométrico e informal: a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: Funarte; Inap, 1987. 310 p. (Temas e debates, 5).


COSTA, Cacilda Teixeira da. Arte no Brasil 1950-2000: movimentos e meios. São Paulo: Alameda, 2004. 96 p.


FERREIRA Gullar entusiasma público: conferência ontem de Neoconcretos no Turismo. Estado da Bahia, Salvador, 17 nov. 1959. p. 3.


FERREIRA, Glória; MELLO, Cecília Cotrim de (Orgs.). Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 284 p.


GONZAGA, Luiz. Luiz Gonzaga: depoimento 6 jun. 2007. Entrevistador: Dilson Midlej. Salvador, gravação digital em áudio. Tipo de arquivo: Winamp media file. Tamanho: 7,30 MB.


GOODING, Mel. Arte abstrata. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 96 p. (Movimentos da Arte Moderna).


INÉDITA na Bahia exposição neo-concreta hoje no Belvedere. Estado da Bahia, Salvador, p. 3, 16 nov. 1959.


MERLEAU-PONTY, Maurice. O primado da percepção e suas consequências filosóficas. Campinas, SP: Papirus, 1990. 94 p.


MIDLEJ, Dilson Rodrigues. Juarez Paraíso: estruturação, abstração e expressão nos anos 1960. 2008. 200 f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador.


______. Afetividade geométrica e artesania relacional neoconcreta. In: Anais do 21o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas. Rio de Janeiro: Anpap, 2012. p. 1375-1387.  CD-ROM. ISSN 2175-8220. Versão eletrônica: ISSN 2175-8212.


NEOCONCRETISTAS vão expor em Salvador. Diário de Notícias, Salvador, p. 2,    15-16 nov. 1959.


7 DIAS das artes plásticas. A Tarde, Salvador, p. 4, 29 nov. 1960.


ZELEVANSKY, Lynn (ed.). Beyond geometry: experiments in form, 1940s-1970s. Los Angeles: The MIT Press, 2004. 240 p.

Autoria

Autores(as) do verbete:

Dilson Midlej

D536

Dicionário Manuel Querino de arte na Bahia / Org. Luiz Alberto Ribeiro Freire, Maria Hermínia Oliveira Hernandez. – Salvador: EBA-UFBA, CAHL-UFRB, 2014.

Acesso através de http: www.dicionario.belasartes.ufba.br
ISBN 978-85-8292-018-3

1. Artes – dicionário. 2. Manuel Querino. I. Freire, Luiz Alberto Ribeiro. II. Hernandez, Maria Hermínia Olivera. III. Universidade Federal da Bahia. III. Título

CDU 7.046.3(038)

 

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