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ARTE POPULAR

Arte Popular na Bahia O que define o caráter “popular” de uma obra de arte não é, como o senso comum acredita, o seu consumo por um grande número de espectadores, mas o que deve ser levado em conta são as três etapas que constituem o processo artístico. O que revela, segundo o antropólogo Néstor[...]

Referências
Bibliográfica:

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VITALINO. Ceramista popular do Nordeste. Ministério da Educação e Cultura. Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais.

Arte Popular na Bahia

O que define o caráter “popular” de uma obra de arte não é, como o senso comum acredita, o seu consumo por um grande número de espectadores, mas o que deve ser levado em conta são as três etapas que constituem o processo artístico. O que revela, segundo o antropólogo Néstor Garcia Canclini, o que é uma arte erudita, popular ou massiva é o resultado de como, dentro de um processo artístico, se realiza a produção, a distribuição e o consumo, além da participação ou exclusão nesse processo dos distintos segmentos sociais (SANTOS, 2013, p. 22).

A arte popular pode ser definida como a arte não acadêmica produzida pela classe de trabalhadores ou por artistas que representam os seus interesses, volta-se para um consumo não mercantil, pois sua produção está subordinada às funções utilitárias e rituais dos objetos que criam, com o objetivo de atender as necessidades coletivas da comunidade da qual esses artistas fazem parte. Os temas geralmente giram em torno da vida cotidiana, como os costumes, as crenças e a religiosidade popular.

O conceito de arte popular abrange outras expressões artistícas que são utilizadas como sinônimos para definir esta mesma concepção, como o artesanato, a arte primitiva, o folclore, a arte bruta (em francês art brut) e a arte naïf.  Cada um desses termos possuem características singulares e distintas, o que torna difícil atribuir uma definição geral sobre o que é a arte popular.

O termo artesanato, que muitas vezes se confunde com o conceito de arte popular, é comumente utilizado para designar os objetos feitos manualmente, e suas formas de representações estão vinculadas à cultura e aos aspectos socioeconômicos dos distintos grupos sociais. No início do século XX, nos países da América Latina, se começa a falar de artes e indústrias de objetos populares, sendo que os objetos que possuíam uma função estética são considerados de arte popular e os que desempenhariam uma função utilitária são designados como artesanato (SANTOS, 2013, p. 30).

Foi com o imperialismo no ocidente e o avanço dos estudos sobre as sociedades ditas “primitivas” pela antropologia que os artefatos das sociedades arcaicas passaram a ser foco de interesse por parte das vanguardas artísticas. No início do século XX, um número significativo de objetos não ocidentais, “exóticos”, “primitivos”, “populares” começaram a ser reconhecidos como “arte”. Esse critério de definição inscreve-se em um quadro de ruptura das vanguardas com a tradição artística e de um olhar voltado para o conhecimento antropológico e o seu campo de investigação dos sistemas culturais.

O crítico e historiador da arte Clarival do Prado Valadares (1974), em um estudo realizado na década de 1960 sobre as manifestações da arte popular, à luz da sociologia e da estética, denomina de “primitivistas” os artistas que calcaram a sua produção artística no estilo dos “primitivos”. Clarival acredita que as manifestações genuínas do comportamento arcaico – a arte popular –  podem ser identificadas nas esculturas da imaginária religiosa, nos ex-votos de madeira, nas carrancas das barcas do Rio São Francisco, na arquitetura sertaneja – igrejas, casas, túmulos, cruzeiros, portadas -, na imaginária sincrética de cultos africanos e objetos litúrgicos e na gravura popular da literatura de cordel. O crítico destaca o nome de alguns artistas que assumiram como uma linguagem estilística os elementos arcaicos, como Hélio de Souza Oliveira, Raimundo Falcão de Oliveira, Alfredo Volpi, Rubem Valentim, Antônio Maia e Agnaldo Manuel dos Santos.

Valladares caracteriza o “arcaico brasileiro” como um “estilo de grupo” traduzido pela atitude de religiosidade que pode ou não suceder em uma determinada sociedade. O historiador também descreve as principais formas de expressão do “estilo arcaico”, segundo o autor, os aspectos como a frontalidade excessiva, o hieratismo próprio das imaginárias católicas seiscentistas e a simplificação dos elementos representados na pintura são elementos de uma “estética arcaica”. Para Valladares, o comportamento arcaico brasileiro tem sua maior expressão na escultura, tanto representada pelos ex-votos do sertão como nas extintas carrancas das barcas dos remeiros do Rio São Francisco. O crítico acredita que na tradição da escultura dos ex-votos do sertão, nas devoções do Nordeste, são identificados atributos característicos, como o hieratismo submetido a contrição, considerado por ele o atributo expressional constante do ex-voto de madeira dessa região.

Lélia Coelho Frota (1974) considera que, diferente do artista popular, o artista “primitivo” não pode ser classificado como continuador, de forma inconsciente, das tradições populares como ocorre com o artista popular anônimo, que produz para sua comunidade com a finalidade imediata de satisfazer as necessidades coletivas, além de desconhecer os cânones e as implicações de originalidade impostas pelas normas “culta” da arte ocidental.

Na Bahia, a produção plástica popular encontra na religiosidade a sua principal fonte de inspiração. Entre o final do século XIX e até meados do século XX, a arte popular religiosa era produzida por santeiros que trabalhavam em oficinas localizadas no centro da cidade; produziam imaginária sacra e os ex-votos, objetos que são colocados por devotos em santuários católicos, em espaços denominados “sala de milagres” ou em cruzeiros, com o intuito de pedir ou pagar uma graça alcançada através do santo de devoção da pessoa. Além disso, os santeiros criavam armações de presépios, pinturas de temática religiosa, cruzes de madeira para sepulturas de pessoas humildes, acompanhadas de caveira, flores e fêmur (SANTOS, 2013, p. 88).

O escritor Jorge Amado descreve o comércio em torno de imagens religiosas na Ladeira do Taboão, centro histórico de Salvador:

São casas altas, cinco e seis andares, sobradões antigos, de fachadas desbotadas, algumas delas quase desmoronando. Escadas escuras de onde chega um bafio de bolor, de coisas velhas e sujas, de urina, de falta de limpeza. Em meio a um formigueiro de gente que sobe e desce, vive um comércio pobre que não cabe nas ruas mais importantes, artesãos, remendões de sapato, santeiros que fabricavam indiferentemente imagens Católicas, Nossa Senhora e Jesus Cristo e ídolos negros, Iansã e Ogun, reformadores de chapéus. Os andares superiores abrigam uma variada população de pequenos empregados no comércio, operários, marítimos, pobres de todas as espécies, as prostitutas mais acabadas também [grifo nosso] (AMADO, 1996, p. 99).

O escritor ainda ressalta a contribuição e a importância da arte e da cultura popular para o movimento de renovação artístico-cultural na Bahia nas décadas de 1940 e 1960, como ele mesmo atesta:

E a Universidade da Bahia com suas realizações e com o seu reitor Edgard Santos de onde nasceu, de onde provém, onde se encontram as suas raízes? Naquilo que o ensaísta Clarival do Prado Valladares intitula, com rara felicidade, de Universidade do Taboão, ou seja na cultura popular, naquela civilização nascida do povo, no humanismo resultante dessa mistura de sangues e costumes, resultante de nossa política de democracia racial, dessa imensa soma de valores [grifo nosso] (AMADO, Op. Cit., s.d., p.55).

De acordo com Santos (2013), no início do século XX irão despontar no Brasil algumas práticas de colecionismo de objetos definidos como arte popular, assim como os objetos ligados à cultura material indígena. Segundo o historiador Helder do Nascimento Viana (2002), nesse momento são criados museus com o intuito de reunir objetos considerados referências importantes para definição de uma identidade cultural dos Estados.

O interesse em volta da produção artesanal nas primeiras décadas do século XX transforma as feiras de comercialização desses produtos em um ponto de encontro de artistas e intelectuais para aquisição desses objetos. As feiras de Caruaru em Pernambuco, as de Maragogipinho, Águas de Meninos e Nazaré das Farinhas na Bahia, são pontos comercias expressivos para essas cidades. O interesse pelos objetos de artesanato popular, segundo Viana, passou de um desejo, no início do século XX, pela função utilitária desses objetos para, a partir da década de 1940, ser objeto de interesse de colecionadores, motivados pelos novos hábitos de ostentação e prestígio social. As experiências de colecionismo de artesanato e arte popular ganha forças no final do Estado Novo, a partir de interesses particulares de segmentos da aristocracia rural decadente e das camadas médias intelectualizadas urbanas da sociedade, que começam a perceber esses objetos como um referencial para a criação de uma identidade, ao mesmo tempo em que buscavam formas genuínas e autênticas de arte, uma maneira de romper com os referenciais estéticos e elitistas reconhecidos da tradição artística, e fascinados com as novas formas e soluções plásticas oriundas do “povo” (SANTOS, 2013, p.121).

A antropóloga Ângela Mascelani (2009) afirma que a história da arte popular brasileira pode ser compreendida através da construção de um “mundo da arte”  por uma rede de pessoas em torno da definição do que seria a arte autêntica, no momento em que essa produção passa a ser reconhecida no âmbito dos museus, das exposições e das apropriações estéticas por parte de artistas plásticos.

Desse modo, os objetos como as cerâmicas, as rendas, as carrancas, a imaginária católica popular, os objetos litúrgicos do candomblé, os ex-votos e os bonecos feitos de barro começam a ser colecionados e passam a ser valorizados como arte por parte de grupos de colecionadores, que viajam para o interior do país em busca de objetos nas feiras, nos mercados, nas Igrejas (cruzeiros e “sala de milagres” católicos), bem como visitam e se interessam pela produção artística realizada nas oficinas de trabalho artesanal.

Alguns nomes se destacam na produção de arte popular na Bahia, como os santeiros João Duarte da Silva, Artur Costa Lima, Alfredo Boaventura e Alfredo Simões, que trabalhavam entre o final do século XIX e início do século XX na Ladeira do Taboão em Salvador. No interior do Estado, na cidade de Cachoeira – Recôncavo baiano, Boaventura da Silva Filho, conhecido como Louco, também é lembrado como um artista importante na produção de santos, anjos, ceias e batedores de atabaque feitos em madeira de lei entre as décadas de 1950 e 1960, e que eram vendidos no Mercado Modelo na capital baiana. Louco obteve reconhecimento nacional e até internacional: suas obras começam a ser disputadas por colecionadores de arte, e em 1972 suas obras são exibidas em uma exposição intitulada ” O Espírito Criador do Povo Brasileiro” organizada pelo artista e colecionador de arte Augusto Rodrigues, que possuía alguns objetos do artista em sua coleção. O artista também tem suas obras expostas em uma mostra realizada em Milão, o que demonstra, mais uma vez, a valorização da arte e dos artistas populares no país em meados do século XX.

 

Referências
Bibliográfica:

AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos: guia de ruas e mistérios; ilustrações de Carlos Bastos. 40ª ed. Rio de Janiero: Record, 1996.

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VIANA, Helder do Nascimento. Os usos do popular: coleções, museus e identidades, na Bahia e em Pernambuco, do início do século à década de 1950. Tese de Doutorado em História apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP. São Paulo, 2002. 183p.

VITALINO. Ceramista popular do Nordeste. Ministério da Educação e Cultura. Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais.
Autoria

Autores(as) do verbete:

Jancileide Souza dos Santos

Data de inclusão:

25/04/2014

D536

Dicionário Manuel Querino de arte na Bahia / Org. Luiz Alberto Ribeiro Freire, Maria Hermínia Oliveira Hernandez. – Salvador: EBA-UFBA, CAHL-UFRB, 2014.

Acesso através de http: www.dicionario.belasartes.ufba.br
ISBN 978-85-8292-018-3

1. Artes – dicionário. 2. Manuel Querino. I. Freire, Luiz Alberto Ribeiro. II. Hernandez, Maria Hermínia Olivera. III. Universidade Federal da Bahia. III. Título

CDU 7.046.3(038)

 

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